Núcleo Santa Virgínia do Parque Estadual da Serra do Mar, em São Luiz do Paraitinga,
área focal do projeto Conexão Mata Atlântica
(foto: Carlos Joly/Unicamp)
Produtores do Vale do Ribeira
recebem incentivos econômicos, como pagamento por serviços ambientais, para
adotar práticas de conservação e proteção de vegetação nativa
Nos últimos quatro anos, a área
de vegetação nativa ameaçada de extinção ocupada por 547 propriedades rurais
localizadas no corredor sudeste da Mata Atlântica, na bacia do rio Paraíba do
Sul, caiu de 1,3 mil para 490 hectares – uma redução de quase 38%. Já a área de
vegetação nativa livre de ameaça nessas propriedades, que abrangem 20,2 mil
hectares da região que se estende pelos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e
Minas Gerais, aumentou de 8.507 hectares em 2019 para 9.547 hectares em 2023 –
uma alta de mais de 11%.
Os resultados foram obtidos por
meio de um projeto pioneiro executado entre 2017 e 2023, que concedeu
incentivos econômicos para produtores rurais adotarem práticas de conservação e
proteção do solo na gestão de suas propriedades.
Batizado de Conexão Mata
Atlântica, o programa, apoiado pela
FAPESP e executado em São Paulo pela Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura
e Logística (Semil) e a Fundação Florestal, serviu de laboratório para testar
diferentes abordagens de aplicação de pagamento por serviços ambientais (PSA)
que serão incorporadas em políticas ambientais do Estado.
“O programa Conexão Mata
Atlântica é um exemplo de como é possível olhar uma cadeia como um todo, gerar
renda e emprego e, ao mesmo tempo, preservar e recuperar vegetação nativa,
tornando o PSA um instrumento ainda maior do que foi concebido para ser. Precisamos
dar escala para todo o Estado de São Paulo para esse mecanismo, que é muito
potente”, disse Natália Resende, secretária estadual do Meio Ambiente,
Infraestrutura e Logística, durante um evento de apresentação de resultados do
projeto realizado em janeiro.
A iniciativa é resultado de um
edital lançado em 2011 pelo Global Environment Facility (GEF) – um dos maiores
financiadores de projetos ambientais no mundo – voltado à criação de um novo
programa de preservação do clima por meio da concessão de linhas de crédito com
foco na proteção, restauração e gestão de áreas no entorno de unidades de
conservação. Outro objetivo do edital era o de promover a alteração do uso do
solo em áreas rurais degradadas visando aumentar o estoque de carbono, melhorar
a produtividade rural e a infiltração das águas, conter processos erosivos e
reduzir a velocidade de vazão das águas, de modo a contribuir para minimizar
enchentes como as que ocorreram em São Luiz do Paraitinga em dezembro de 2010.
À época diretor do Departamento
de Políticas e Programas Temáticos do Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação (MCTI), Carlos Joly,
professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos
idealizadores do Programa BIOTA-FAPESP, propôs que o órgão
submetesse uma proposta de projeto ao edital com foco na região do Vale do
Ribeira.
“A ideia foi que, se
conseguíssemos demonstrar que era possível promover a conservação e a
restauração de serviços ecossistêmicos naquela região, esse modelo de programa
poderia ser replicado em qualquer outro lugar”, explicou Joly.
Com base nessa ideia, em 2012 o
MCTI e o Estado de São Paulo, por meio da Semil, a Fundação Florestal e a
FAPESP, decidiram propor um projeto que unisse a mitigação das mudanças
climáticas e o apoio à biodiversidade em uma mesma ação com foco no corredor
sudeste da Mata Atlântica e tendo o Vale do Ribeira como território.
A Semil e a Fundação Florestal
se propuseram a trabalhar diretamente com produtores rurais na região por meio
da concessão de PSA, de Certificação Orgânica, Agroecológica e Florestal (Cert)
e a indução da Cadeia de Valor Sustentável (CVS) em municípios com área com
pastagens degradadas considerável e na zona de amortecimento do Parque Estadual
Serra do Mar em dois de seus núcleos: Santa Virgínia e Itariru, na Estação
Ecológica de Bananal e na área de proteção ambiental de São Francisco Xavier,
distrito de São José dos Campos, na Região Metropolitana de São Paulo. Já a
FAPESP financiou a realização de projetos de pesquisa sobre temas como de que
forma a coexistência humano-fauna sustenta os serviços ecossistêmicos em áreas
de conservação.
“Nosso objetivo de criar um
projeto de restauração e conservação em São Paulo que servisse de exemplo de
fato aconteceu. O Conexão Mata Atlântica engajou as pessoas, trouxe benefícios
ambientais enormes e mudou a vida de muitos pequenos produtores da região”,
avaliou Joly.
Os Estados do Rio de Janeiro e
de Minas Gerais, por também serem integrantes da bacia do Rio Paraíba do Sul,
foram convidados a participar da elaboração e implementação do projeto. Cada um
deles propôs implementar ações específicas para promover a conservação da
biodiversidade e a recuperação dos estoques de carbono em áreas frágeis.
“Por meio do projeto foi
possível aplicar ferramentas de incentivo econômico para que as propriedade
rurais passassem a ser geridas adotando práticas de conservação e proteção do solo,
promovendo a restauração ambiental, contribuindo para a proteção de hábitats, a
coexistência com a fauna nativa, a fixação de carbono e a manutenção de
biodiversidade protetora contra as pragas da lavoura. Dessa forma, foi possível
transformar produtores rurais em provedores de serviços ambientais”, afirmou
Luiza Saito, coordenadora do Conexão Mata Atlântica.
Diferentes
modalidades
No total, foram investidos US$
31,5 milhões, sendo US$ 16,56 milhões somente em São Paulo. Foram firmados mais
de 1,7 mil contratos que beneficiaram mais de 950 produtores, de 20 municípios
do Estado de São Paulo distribuídos pelo Vale do Paraíba do Sul, Vale do Rio
Ribeira do Iguape e a Baixada Santista. Entre eles Aparecida, Cachoeira
Paulista, Cruzeiro, Guaratinguetá, Lorena, Paraibuna, São Luiz do Paraitinga e
Taubaté.
Um dos principais instrumentos
adotados no programa foi o PSA, por meio do qual os produtores rurais receberam
recursos de acordo com os serviços ambientais prestados a partir da preservação
e restauração da vegetação nativa, além de técnicas sustentáveis na área. Ao
todo, foram selecionados 939 projetos, que abrangeram 11.972 hectares.
Para liberar os recursos, os
técnicos participantes do projeto avaliaram aspectos como a mudança de uso do
solo por meio da promoção de melhorias dos sistemas de produção agropecuária
mais sustentáveis; incentivo à adoção de práticas conservacionistas nas
propriedades, tais como saneamento rural, compostagem, cercamento para condução
da regeneração natural e bebedouros para o rebanho fora dos corpos d’água,
entre outros quesitos.
“Depois de aderir ao projeto,
os produtores rurais só receberam o PSA se de fato fizeram alguma melhoria na
propriedade. Eles também receberam pelo serviço ambiental que já prestavam
antes de o projeto iniciar. Daí para frente só reconhecemos eventuais novos
serviços ambientais que começaram a prestar”, explicou Helena Carrascosa,
responsável pela unidade de gestão de projetos da Semil.
Por meio do incentivo da
pastagem manejada adequadamente, com pastejo rotacionado, diversificação de
forrageiras e introdução de árvores nativas no sistema, foi possível atingir
uma grande redução da área de pastagem degradada na região.
“Observamos logo no primeiro
ano do projeto que a área sob manejo rotacionado passou a ser maior do que a de
pastagem degradada. A expectativa é que essa tendência se mantenha e que a
pastagem degradada possa até mesmo desaparecer”, disse Carrascosa.
A área de 4.260 hectares
ocupada por pastagem representa 25% da área total dos imóveis rurais
participantes do PSA uso múltiplo. Nos municípios de São Luiz do Paraitinga e
Natividade da Serra, contudo, a participação atinge 35% e 41%, respectivamente.
Se por um lado a agropecuária é
um setor que emite gases de efeito estufa (GEE) e contribui para o
empobrecimento ecológico de hábitat, por outro os produtores rurais estão entre
os primeiros a serem impactados pelo desequilíbrio climático. Por isso, os
produtores rurais têm papel central no processo de mitigação e adaptação às
mudanças climáticas, ponderam pesquisadores participantes do projeto.
“O projeto realça o papel
central do produtor nesse processo, investindo em capacitação e assistência
técnica nas propriedades”, disse Carrascosa.
Acesso ao
mercado
Os produtores rurais também
receberam capacitação para obter certificação de produtos, de modo a obter
acesso ao mercado de orgânicos.
As certificações asseguram o
emprego de práticas sustentáveis no cultivo e manejo. No cômputo geral, foram
155 certificações em oito municípios, totalizando 4.360 hectares de área
certificada.
“Esse é o primeiro grupo que se
conhece de pequenos manejadores com certificação para conservação da Mata
Atlântica. Já há experiências similares para a Amazônia, mas esse é o primeiro
grupo que se mobilizou para atender todos os padrões de certificação para
conservação da Mata Atlântica sem estar associado a uma cadeia produtiva”,
disse Claudette Hahn, coordenadora desse componente do projeto.
Outro instrumento empregado no
projeto foi o de Cadeias de Valor Sustentável (CVS), voltado a incentivar o
cultivo e o beneficiamento de produtos típicos da Mata Atlântica, como frutas
nativas, mel de abelhas, leite e hortaliças produzidos em sistemas
agroflorestais (SAF).
Ao todo, 202 propriedades foram beneficiadas, sendo 73 ligadas a frutas, 41 produtoras de leite, 30 especializadas em mel e mais 18 olerícolas (produtoras de leguminosas).
Elton Alisson
Agência FAPESP https://agencia.fapesp.br/projeto-promove-preservacao-de-remanescentes-de-mata-atlantica-em-propriedades-rurais/50802
Nenhum comentário:
Postar um comentário