Parafraseando o poeta Lulu Santos, a paridade de
gênero em todo o mundo anda a passos de formiga e sem vontade, pelo menos é o
que mostram os dados do Relatório Global de Brecha de Gênero 2023. Embora o
estudo revele uma recuperação para os níveis pré-COVID-19, o ritmo da mudança
estagnou. Ainda segundo o relatório, serão necessários mais de 131 anos para
que se eliminem as disparidades de gênero no mundo.
Por aqui, no Brasil, ocupamos a 78ª posição no
ranking que mede igualdade de gênero em 144 países e, ao falarmos da persistência
da desigualdade no mercado de trabalho brasileiro, falamos de um modelo
patriarcal intrinsecamente estruturado nas origens da sociedade que vivemos
hoje. Por mais que as estruturas não sejam mais tão visíveis, afinal podemos
votar, dirigir, ter CPF e fazer xixi no Senado – não tinha banheiro feminino no
Congresso até 2016 –, o modelo consegue se adaptar aos tempos que vivemos hoje
para fazer com que as mulheres ainda se sintam menos: menos capazes, menos
merecedoras, menos ouvidas, menos prestigiadas, menos remuneradas.
Mesmo quando há vários indícios de que apostar na
paridade de gênero leve a bons resultados no geral. Um estudo realizado pela
Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelou que, em uma análise de mais
de 70 mil empresas em 13 países, esforços pela paridade de gênero resultaram
em aumentos significativos de rentabilidade, com 3 em cada 4
organizações avaliadas registrando maiores lucros entre 5% e 20%, além de maior
capacidade de retenção de talentos, criatividade e inovação, melhora na
reputação junto aos clientes e melhor compreensão das demandas dos
consumidores.
E como que o modelo patriarcal se adapta para
fazer com que a mulher siga não alcançando um lugar de igualdade com o homem?
Lançando mão de novas ferramentas. A mulher agora está no ambiente de trabalho
e sentada na mesa de reunião com decisores, mas sua voz é interrompida. Para
entrar em uma empresa, ela precisa esconder a pretensão de ter filhos, se for
jovem; ou explicar quem a ajuda se já tem filhos. Quando ela consegue falar
sobre algo, sua fala é questionada ou distorcida para fazer ela duvidar de
si – o famoso gaslighting. Sua aparência é sempre comentada. Quando ela
olha a sua volta e vê que as mulheres ocupam lugares de cuidado. E, assim,
quando surge uma oportunidade de crescimento, de quebrar barreiras de gênero,
sente que não é suficiente. E, no final de tudo, inventam que a culpa é dela,
que sofre de um mal inventado chamado de Síndrome da Impostora.
Promovendo a igualdade de gênero: o caminho a
seguir
É preciso desconstruir os estigmas e preconceitos
enraizados que minaram a confiança e a autoestima das mulheres ao longo dos
anos, mas isso não é trabalho da mulher. É preciso que um homem, ao ver uma
mulher sendo interrompida no ambiente de trabalho, chame atenção para o fato e
deixe que ela continue sua fala. Que ele não deixe que a aparência de uma
mulher seja assunto no corredor. Que ouça o que está sendo dito por uma mulher
e que a remunere adequadamente. Que não pergunte se ela pretende ter filhos em
um processo seletivo, e que não a mande embora depois que tiver.
Aproximar a mulher do poder passa por aproximar o
homem da mulher nesses aspectos aparentemente mundanos e pequenos, e isso passa
por uma educação que engatilhe mudanças culturais profundas. Não é um ciclo de
palestras, em eventos de empoderamento feminino, que vão resolver o problema se
o homem não engaja na mudança. As empresas devem estabelecer metas claras de
diversidade e inclusão, sim, mas o que estamos falando vai muito além do RH. É
fundamental questionar constantemente o status quo e criar um ambiente que
promova a igualdade e o respeito mútuo, e que não permita o constrangimento de
um lado. Só assim a gente consegue começar a pensar em reduzir os 131 anos de
brecha que temos pela frente.
Marina Vaz - CEO e fundadora da Scooto, central de atendimento que
transforma o relacionamento entre pessoas e empresas
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