O mundo científico tem um dialeto próprio, com regras de escrita para os nomes de espécies animais, vegetais e substâncias químicas, que são oficialmente aceitas em todo o mundo. Por exemplo, Leucanthemum vulgare é o nome científico da flor popularmente conhecida como margarida e 1,3,7-Trimetilpurina-2,6-diona é o nome químico da cafeína. Além desses nomes complicados, é comum os cientistas utilizarem jargões próprios, como o acrônimo DDT, que se refere ao dicloro-difenil-tricloroetano, um inseticida antigo e bastante conhecido. Essa sopa de letrinhas muitas vezes causa confusão e interpretações falsas.
Um exemplo claro dessa confusão são as novas drogas
chamadas “drogas K”. Conhecidas pela ciência há pelo menos três décadas, essas
substâncias foram inicialmente desenvolvidas e estudadas como tratamentos para
várias doenças, como dores crônicas, mas acabaram sendo comercializadas no
mercado ilegal como entorpecentes potentes, com efeitos imprevisíveis. E, para
piorar, são frequentemente confundidas e associadas ao canabidiol, que no mundo
científico é chamado pelo acrônimo CBD.
Segundo o DEA, órgão de controle de entorpecentes
nos Estados Unidos os produtos podem ser encontrados com várias nomenclaturas,
tais como: Spice, K2, K4, K9, RedX Dawn, Paradise, Demon, Black Magic, Spike,
Mr. Nice Guy, Ninja, Zohai, Dream, Genie, Sence, Smoke, Skunk, Serenity,
Yucatan, Fire, Skooby Snax, and Crazy Clown (DEA, 2023).
É fundamental esclarecer que tais drogas não
apresentam nenhuma relação com formulações produzidas com Canabidiol obtido
através da planta, nem com Canabidiol sintético utilizado na produção de
medicamentos. Como descrito acima, a droga possui moléculas específicas
“fabricadas” para ocasionar alteração de sistema nervoso central, alterações
sensoriais e de percepções de uma droga de abuso ilícito. Já medicamentos
são desenvolvidos com moléculas com segurança e eficácia comprovadas
através de inúmeros ensaios de performance, não-clínicos e clínicos.
Vamos então esclarecer?
O CBD (canabidiol) é um dos principais compostos
encontrados na planta cannabis sativa, conhecida como maconha ou marijuana.
Essa substância faz parte de um grupo de compostos chamados fitocanabinoides.
Além do CBD, outro fitocanabinoide encontrado na planta é o THC (acrônimo
de tetrahidrocanabinol). O CBD e o THC são substâncias químicas diferentes e
agem de forma distinta no organismo humano: o THC tem efeito psicotrópico ou
psicoativo, alterando o estado mental e afetando a função psicológica do
indivíduo, enquanto o CBD não apresenta esse efeito.
Na década de 1980, John W. Huffman, professor de
química da Universidade de Clemson, Estados Unidos, estudava substâncias
químicas produzidas em laboratório que poderiam substituir o THC no
desenvolvimento de tratamentos para dor, inflamação e alguns tipos
de câncer de pele. Ele e sua equipe criaram mais de 470 compostos
sintéticos diferentes para testes em animais de laboratório.
O pesquisador comparou os efeitos desses compostos
sintéticos com os efeitos já conhecidos do THC, que seria como referências nesses
estudos, e descobriu que alguns deles eram até 100 vezes mais potentes. Ele
reuniu os resultados de sua pesquisa e os publicou em revistas científicas.
Essas substâncias produzidas em laboratório, por interagirem de maneira
semelhante ao THC no organismo humano, foram chamadas de canabinoides
sintéticos.
Mas após a publicação do trabalho da equipe de
Huffman, foi percebida a possibilidade de produzir drogas ilícitas misturando
os compostos sintéticos, seguindo a “receita” divulgada pelo professor em seus
artigos científicos, com ervas inofensivas para criar uma semelhança com a
maconha. Assim surgiram as chamadas “drogas K”, que são compostos ilícitos
“fabricados” para causar alteração de sistema nervoso central, alterações
sensoriais e de percepções. Importante destacar que são completamente
diferentes e não apresentam nenhuma relação com produtos farmacêuticos à base
do canabidiol, que tem estudos demonstrando sua segurança e eficácia
terapêutica para síndromes de epilepsia e epilepsia refratária e que apresentam
potencial terapêutico para várias outras indicações como Alzheimer, dor,
ansiedade, entre outras.
Além de possuir seu próprio dialeto, o mundo
científico exige responsabilidade. É nos laboratórios que são descobertas
formas de atenuar dores, curar doenças e garantir uma melhor qualidade de vida.
Anos de estudos e testes têm permitido que pessoas ao redor do mundo tenham
oportunidades de tratamento e novas chances de viver com saúde.
Somente com informação e valorização da ciência conseguiremos evitar e
combater os usos inadequados dessas descobertas.
Liberato Brum Junior -
farmacêutico e gerente de Inovação e Pesquisa Clínica da Prati-Donaduzzi
Nelson Ferreira Claro Junior -
Diretor de farmoquímicos da Prati-Donaduzzi
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