Método alternativo proposto por
físico brasileiro reduz de vários dias para algumas horas o tempo de simulação
computacional do espectro de absorçãoRepresentação da molécula orgânica estudada,
com moléculas de água ao redor
(imagem: Tárcius Nascimento Ramos)
Conhecer a energia da luz
absorvida por uma molécula possibilita entender sua estrutura, seus estados
quânticos, sua interação com outras moléculas e suas possíveis aplicações
tecnológicas. Moléculas com alta probabilidade de absorver simultaneamente dois
fótons de luz de baixa energia apresentam uma ampla gama de aplicações: em
sondas moleculares em microscopia de alta resolução, como substrato para
armazenamento de dados em estruturas tridimensionais densas ou vetores em
tratamentos medicinais.
O estudo do fenômeno por meios
experimentais diretos apresenta, porém, dificuldades. Por isso, simulações
computacionais têm sido feitas em complemento à caracterização espectroscópica.
Além disso, as simulações propiciam uma visão microscópica de difícil acesso em
experimentos. O problema é que simulações envolvendo moléculas relativamente
grandes demandam vários dias de processamento em supercomputadores ou meses de
processamento em computadores convencionais.
Para contornar essa
dificuldade, um método alternativo de cálculo foi proposto pelo físico Tárcius Nascimento Ramos e
colaboradores em artigo publicado em The
Journal of Chemical Physics.
Doutorado em 2020 no Instituto
de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) com bolsa da
FAPESP, Ramos é atualmente pesquisador do Fonds de la Recherche Scientifique
(F.R.S.-FNRS) na Université de Namur, na Bélgica.
“Avaliamos a performance de um
método semiempírico que foi muito utilizado nas décadas passadas, mas, devido
ao seu caráter aproximativo, passou a ser negligenciado por parte da comunidade
científica. Com ele, conseguimos reduzir o tempo de cálculo para quatro horas
em computador convencional. O baixo custo computacional permitiu considerar uma
ampla amostragem estatística para simulações de moléculas em soluções, algo
inviável com o método atualmente hegemônico”, diz Ramos à Agência
FAPESP.
O método atualmente hegemônico
a que o pesquisador se refere é a Teoria do Funcional da Densidade (DFT, da
expressão em inglês Density Functional Theory). Trata-se de uma ferramenta
teórica amplamente utilizada em mecânica quântica, que permite descrever as
propriedades eletrônicas de sistemas complexos por meio da densidade eletrônica
do sistema, sem que seja necessário recorrer às funções de onda individuais de
cada elétron.
“O método alternativo que
utilizamos foi o INDO-S [sigla em inglês para negligência intermediária de
sobreposição diferencial com parametrização espectroscópica]. Ele se baseia na
função de onda do sistema molecular, mas a resolve de forma aproximada. Partes
dos complexos e custosos cálculos computacionalmente são substituídos por
valores tabelados obtidos por ajustes com dados espectroscópicos experimentais.
Isso torna o método altamente eficiente para o estudo teórico de grandes
compostos moleculares”, afirma Ramos.
Para avaliar a praticidade de
utilizar um método como esse, é preciso considerar que a molécula estudada,
derivada do estilbeno, possui mais de 200 átomos – de carbono, oxigênio e
hidrogênio. Além do número de componentes, que por si só tornaria as simulações
convencionais extremamente trabalhosas e caras, essas grandes moléculas
apresentam uma complicação adicional. Elas são flexíveis e suas mudanças
conformacionais (como torções, por exemplo) modificam suas propriedades
eletrônicas.
“No final do estudo, nós preenchemos
a lacuna experimental, caracterizando, em nível microscópico, o espectro de
absorção de um e dois fótons para essa classe de moléculas. E verificamos que o
método semiempírico que testamos, frequentemente negligenciado devido ao seu
caráter aproximativo, é a forma mais recomendada para prever os espectros de
absorção de um fóton e dois fótons por grandes moléculas em solução. Isso abre
espaço para engenheiros moleculares desenvolverem novos compostos com maior
eficiência nos seus diversos ramos de aplicações”, comenta Ramos.
Aqui é necessário levar em
conta as diferenças entre a absorção de um fóton e a absorção de dois fótons. O
princípio geral é que as moléculas absorvem fótons apenas quando podem assumir
estados excitados que sejam compatíveis com as energias dos fótons. Mas as
regras de seleção para absorção de um fóton ou de dois fótons não são as
mesmas. Por isso, estados excitados proibidos para a absorção de um fóton podem
ser permitidos para a absorção de dois fótons. Essas características
diferenciais – somadas à alta resolução espacial da excitação por dois fótons,
resultante de sua natureza óptica não linear – fazem com que moléculas capazes
de absorver dois fótons se prestem a utilizações muito mais refinadas.
“No caso da microscopia, o
imageamento apresenta resolução muito maior, possibilitando caracterizar
tecidos profundos com menor dano para as estruturas do entorno. No caso do
armazenamento de dados, a alta resolução permite que estruturas tridimensionais
sejam criadas com grande precisão e detalhes, viabilizando codificar pontos no
interior dos materiais com alta densidade de dados por volume”, informa o
pesquisador.
A modelagem computacional do
fenômeno de absorção de dois fótons por moléculas orgânicas em solução foi o
principal tema de Ramos durante sua pesquisa de doutorado. O presente artigo é
um passo adiante nessa investigação. Além da bolsa de doutorado conferida ao
pesquisador, o estudo foi apoiado pela FAPESP por meio de outros dois projetos
(14/50983-3 e 15/20032-0).
Colaboraram Leandro Franco (Karlstad University, Suécia), Daniel Luiz da Silva (Universidade
Federal de São Carlos) e Sylvio Canuto (USP).
O artigo Calculation of
the one- and two-photon absorption spectra of water-soluble stilbene
derivatives using a multiscale QM/MM approach pode ser lido em: https://pubs.aip.org/aip/jcp/article-abstract/159/2/024309/2902110/Calculation-of-the-one-and-two-photon-absorption?redirectedFrom=fulltext.
José Tadeu Arantes
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/absorcao-da-luz-por-moleculas-tem-aplicacoes-em-microscopia-medicina-e-armazenamento-de-dados/49848
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