Não é de hoje que a comunidade médica vem se preocupando cada vez
mais com a visão das crianças. Bem antes de 2020 já era comum que víssemos os
pequenos continuamente focados na tela de celulares e tablets em momentos em
que deveriam estar gastando a energia em brincadeiras ao ar livre. Porém, com a
necessidade de manter as crianças em casa por dois anos – muitas delas com
condições de comorbidade e, assim, mais suscetíveis à Covid-19 – essa questão
aumentou consideravelmente, principalmente com as aulas online.
Nós, seres humanos, somos resultado da evolução. E a
evolução consiste em mudarmos, ao longo de muito tempo, alguns aspectos
físicos, biológicos e fisiológicos, de forma a adaptá-los a novas necessidades.
Com a rápida ascensão da internet e das tecnologias digitais neste início de
século, ainda não tivemos tempo para evoluir os olhos a ponto de garantir a
saúde ocular das gerações atuais frente à exposição de telas e luzes brancas
com que temos que lidar continuamente. O que acontece, então? Acontece que as
pessoas estão desenvolvendo mais problemas visuais, cada vez mais cedo, e
nossas crianças também.
Um estudo feito com crianças chinesas e publicado pelo
periódico JAMA Ophthalmology no início deste ano revelou os primeiros dados analíticos
em larga escala sobre o fato de a pandemia ter aumentado – e ainda estar
aumentando – os casos de miopia entre a população infantil. Segundo os números
publicados, entre os anos de 2015 e 2019 a incidência de miopia em crianças de
seis anos era de 5,7%. Em 2020, esse número saltou para 21,5, sendo que o
aumento também foi percebido nos menores de sete e oito anos. Em todos os
casos, o estudo indica que esse resultado se relaciona diretamente com o fato
de as crianças se forçarem a olhar algo muito de perto – situação que se
observa quando elas usam smatphones, tablets e fazem aulas online.
Até agora falei de crianças em idade escolar. Mas, e quando
se trata de crianças ainda menores de dois anos? Bom, aqui é importante dizer
que, nesse período da vida, as crianças têm um tecido ocular maleável e que se
deforma com facilidade, favorecendo o surgimento da miopia.
A miopia tem fatores genéticos e ambientais – filhos de pai
ou mãe míopes têm mais chances de desenvolver o distúrbio visual – e é caracterizada
por um globo ocular mais “longo”, o que provoca a formação da imagem antes que
a luz chegue até a retina, causando dificuldades em ver de longe. Porém, se
considerarmos a realidade das crianças do século XXI, a causa desse aumento
está mais ligada ao uso de telas do que à hereditariedade. É verdade que,
antigamente, não havia um cuidado preventivo como há hoje, com os responsáveis
levando seus filhos para começarem cedo nas consultas com oftalmologistas – se
há mais cuidados e exames, também há mais diagnósticos e mais crianças usando
óculos. Por outro lado, o estilo de vida que levamos atualmente favorece, sim,
o surgimento de problemas oculares e não deixa de ser alarmante indicar lentes
de grau alto a crianças tão pequenas por razões que são, sim, possíveis de
serem evitadas ou contornadas.
Tudo bem que elas são a geração Z, que já nasceram imersas
em tecnologia e no mundo digital, mas os cuidados com os excessos transcendem
as gerações e, assim como o próprio ser humano, também precisam evoluir conforme
as necessidades do momento. E a necessidade, neste momento, é: evite que seus
filhos passem tempo demais em telas. As crianças são o nosso futuro e
precisamos que elas enxerguem longe.
Pedro Duraes - oftalmologista e professor do curso
de Medicina da Universidade Santo Amaro – Unisa
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