Em estudo publicado na
revista Frontiers in Cellular and Infection Microbiology, um grupo
de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da
Universidade de São Paulo (USP) descreveu como uma proteína humana interage com
uma proteína do SARS-CoV-2, demonstrando um dos mecanismos usados pelo vírus
causador da COVID-19 para recrutar as células e se replicar.
Em testes in vitro, os
pesquisadores conseguiram inibir a interação entre as moléculas usando um
fármaco e, com isso, reduziram a replicação viral entre 15% e 20%. Com o
resultado, o grupo espera contribuir com o desenvolvimento de terapias contra a
COVID-19.
“A proteína humana conhecida como PCNA
[sigla para Proliferating Cell Nuclear Antigen] interage com a
proteína M [matriz] do SARS-CoV-2, uma das moléculas que compõem a membrana do
vírus e dão forma a ele. A descoberta em si mostra uma das maneiras pelas quais
o patógeno manipula a função da célula para poder seguir seu ciclo de vida”,
explica Fernando Moreira Simabuco,
professor da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira, que
coordenou o estudo apoiado pela
FAPESP.
Em laboratório, o grupo utilizou
diferentes técnicas para mostrar como a presença da proteína M do vírus no
organismo faz com que a PCNA, uma proteína envolvida no reparo do DNA, migre do
núcleo das células – onde ela normalmente se encontra – para o citoplasma,
região onde ficam as organelas, responsáveis por importantes funções celulares.
Segundo os pesquisadores, essa migração
demonstra que as proteínas viral e humana estão interagindo entre si, o que foi
corroborado por outras metodologias.
Outra forma de verificar o fenômeno foi
usando um composto que é inibidor da migração de proteínas do núcleo para o
citoplasma. Tanto em células tratadas com um composto específico para a PCNA
quanto com esse outro que inibe a migração de diferentes proteínas, incluindo a
PCNA, o coronavírus teve uma replicação entre 15% e 20% menor quando comparado
aos que estavam em células sem tratamento algum.
“Se estivéssemos pensando em uma
terapia, talvez essa redução não fosse significativa. Porém, o principal
objetivo era demonstrar essa interação e que ela pode ser um alvo para futuros
tratamentos”, diz Simabuco.
Em colaboração com pesquisadores do
Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, foram analisadas
ainda amostras de tecido pulmonar obtidas durante autópsias de pacientes mortos
pela COVID-19 (leia mais em: agencia.fapesp.br/32882/).
Foi observado um aumento da expressão
tanto da proteína PCNA como de gamaH2AX, proteína considerada um marcador de
dano ao DNA, o que reforça os resultados.
“Esse dado pode indicar mais uma
consequência da infecção pelo coronavírus”, diz Simabuco.
O trabalho tem como primeira
autora Érika Pereira Zambalde, pós-doutoranda na FCA-Unicamp sob
supervisão de Simabuco.
Novo caminho
A proteína M se ancora, junto com as
proteínas E e S, na membrana que envolve todo o SARS-CoV-2, e é a mais
abundante das quatro principais proteínas estruturais do vírus, que levam esse
nome por darem forma ao patógeno. Por isso, tem sido vista como um alvo
potencial para medicamentos e vacinas.
Por sua vez, a proteína S, da espícula
(spike, em inglês), é a mais conhecida por conta do seu papel na ligação
com o receptor humano, que a tornou o alvo das principais vacinas atuais.
A proteína humana PCNA, por sua vez, é
bastante estudada no contexto do câncer, tema de projeto conduzido por Simabuco na
FCA-Unicamp. Na infecção por vírus, porém, muito pouco se sabe sobre o papel
dessa proteína humana.
O artigo publicado agora, portanto,
abre caminho para novos estudos sobre essa interação entre o coronavírus e a
molécula, facilitando o desenvolvimento de tratamentos. Um próximo passo seria
a validação das descobertas em modelos animais, o que ainda não há previsão
para acontecer.
Parte dos experimentos foi realizada no
Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (LEVE),
coordenado por José Luiz Proença Módena no
Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, que é apoiado pela FAPESP.
O estudo teve ainda colaboração dos grupos
de pesquisa coordenados por Armando Morais Ventura, professor do
Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, e Henrique Marques-Souza, professor do
IB-Unicamp.
O artigo Characterization of
the Interaction Between SARS-CoV-2 Membrane Protein (M) and Proliferating Cell
Nuclear Antigen (PCNA) as a Potential Therapeutic Target pode ser lido
em: www.frontiersin.org/articles/10.3389/fcimb.2022.849017.
André Julião
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-revela-como-o-virus-da-covid-19-manipula-as-celulas-para-se-replicar/38955/
Nenhum comentário:
Postar um comentário