Opinião
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A relação que temos com o trabalho e
as dificuldades que podem aparecer quando surge um desgaste nesta relação é um
fenômeno há muito tempo reconhecido [1]. O uso do termo Burnout (Esgotamento)
para esse fenômeno surgiu em meados da década de 1970 nos Estados Unidos,
principalmente, entre funcionários que atuavam em Recursos Humanos (RH). A
expressão era empregada em situações nas quais os trabalhadores apresentavam
cansaço extremo, perda de idealismo e paixão pelo trabalho [1]. Desde então, o
termo tem sido relacionado ao estresse crônico associado à atividade laboral.
Em 2010, Burnout passou a ser um
diagnóstico na 10.ª edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-10),
porém, sem um conceito detalhado do quadro. Era definido como “um estado de
exaustão vital” e categorizado em “problemas relacionados à dificuldade de
gerenciamento da vida”, ou seja, poderia estar relacionado ao trabalho ou não.
Em 2019, com a atualização da CID (CID-11), o Burnout passa a ser definido como
um fenômeno ocupacional, além de ser mais bem caracterizado. Entretanto, a
síndrome ainda continua não sendo identificada como doença e é descrita no
capítulo “Fatores que influenciam o estado de saúde ou o contato com os serviços
de saúde”, que inclui os motivos pelos quais as pessoas procuram os serviços de
saúde, mas que não são classificados como doença ou condição de saúde. O
Burnout, agora, passa a ser definido como uma síndrome resultante do estresse
crônico no local de trabalho que não foi manejado adequadamente e é
caracterizada por três dimensões: (i) sensação de esgotamento ou exaustão de
energia, (ii) aumento da distância mental do trabalho ou sentimentos negativos
relacionados a ele e (iii) diminuição da eficácia profissional [2].
A síndrome corresponde a essas três
dimensões, porém, clinicamente, pode resultar em diversos outros sinais e
sintomas como irritabilidade, alterações no apetite e sono, dificuldade de
concentração, isolamento social, além de outros sintomas depressivos e sintomas
ansiosos. Quanto à sua prevalência, os dados atuais são extremamente
heterogêneos, podendo ultrapassar 80% de funcionários de alguns setores [3],
com uma predominância em certas profissões como policiais, profissionais da
educação e profissionais da área da saúde. Essa heterogeneidade correlaciona-se
com a ausência de uma definição precisa da síndrome, principalmente anterior à
CID-11. Ou seja, a melhor descrição da síndrome é absolutamente fundamental,
pois, a definição imprecisa implica em sérios problemas para estudos
científicos sobre o tema, incluindo além da variabilidade na prevalência já
citada, dificuldade de estabelecimento de grupos de risco, intervenções para a
prevenção, avaliação de prognóstico e estabelecimento de estratégias
terapêuticas eficazes.
Nesses últimos dois anos, com a
pandemia de covid-19, houve diversos desafios e mudanças para humanidade não só
quanto à saúde, mas também no âmbito econômico, político e social. Um grupo que
merece destaque nesse período é o de profissionais da saúde da linha de frente
do atendimento aos pacientes com covid-19. Esses profissionais tiveram um
aumento significativo no estresse relacionado ao trabalho, devido ao grande
impacto gerado em seu ambiente profissional. Ainda no contexto da pandemia,
vale ressaltar as notáveis modificações no modo de trabalhar, como, por
exemplo, a migração do trabalho para híbrido (presencial + remoto) ou remoto
exclusivo que, para alguns setores e profissões, veio para ficar. Observa-se
que no trabalho remoto, frequentemente, a carga horária acaba sendo ainda maior
comparada ao presencial exclusivo anterior, o que pode colaborar para o aumento
do estresse e caso não seja bem administrado, resultar em Burnout. Daí a
importância de se pensar em prevenção. Um estudo [4] publicado em 2020
recomenda algumas práticas a serem adotadas, para diminuir esse estresse
associado ao home office:
• Promover a conscientização sobre o
estresse e o Burnout resultantes do aumento do uso de telecomunicações durante a
pandemia;
• Aumentar a frequência dos
intervalos entre as palestras on-line ou durante as teleconferências;
• Implementar práticas saudáveis
entre as sessões on-line e durante reuniões prolongadas, como exercícios
respiratórios, meditação e ioga;
• Reduzir hábitos pouco saudáveis que
aumentam ainda mais os níveis de estresse, como fumar e ingerir cafeína.
Portanto, sendo o trabalho presencial
ou remoto, o estresse com ele pode aparecer. Logo, é de fundamental importância
pensarmos e discutirmos sobre a relação do trabalho com nossa saúde mental. A
literatura atual indica que tanto as estratégias focadas no indivíduo quanto as
organizacionais podem resultar em reduções clinicamente significativas do
quadro [5]. Entretanto, mais pesquisas são necessárias para estabelecer quais
intervenções são as mais eficazes. De todo modo, é pertinente adotar práticas
de estilo de vida saudáveis, investir em atividades de lazer, programar-se para
limitar horas trabalhadas por período, além de ter um bom convívio no ambiente
de trabalho, pois tais práticas podem resultar em diminuição do estresse e,
consequentemente, de Burnout. Fique atento aos sinais e sintomas descritos
sobre o Burnout e caso os identifique, procure um profissional de saúde mental
capacitado para melhor avaliação diagnóstica e terapêutica.
José Diogo S. Souza - médico residente de Psiquiatria pelo Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
(HC-FMRP-USP) e doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Mental da
FMRP-USP.
Rodrigo Affonseca
Bressan -
professor adjunto livre-docente do Departamento de Psiquiatria da Escola
Paulista de Medicina -- Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) —
Campus São Paulo e presidente do Instituto Ame Sua Mente
Referências:
1. Maslach C, Schaufeli WB, Leiter MP. Job burnout. Annu Rev
Psychol. 2001;52:397--422
2. Link
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