Cientistas da Unesp e do Cemaden testaram estratégia de monitoramento participativo em São Luiz do Paraitinga, após enchentes que destruíram parte da cidade em 2010. Metodologia pode ser aplicada em outras regiões do país (foto: oficina de mapeamento participativo/crédito: Miguel Trejo Rangel)
O Brasil registrou neste início de 2022 uma série de desastres ambientais em vários Estados. Vão desde chuvas intensas, com inundações e deslizamentos de terra e mortes em Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, até secas drásticas, como no Rio Grande do Sul. Porém, apenas 6,1% dos 5.568 municípios têm algum tipo de plano voltado para a redução de riscos e de impactos desses desastres, segundo a Pesquisa de Informações Básicas Municipais, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Estudo publicado na
revista Disaster Prevention and Management pode contribuir
com programas futuros de prevenção a esses tipos de ameaças. No trabalho, que
recebeu o apoio da FAPESP, os pesquisadores
desenvolveram uma metodologia de mapeamento de riscos, com a participação de
moradores, principalmente jovens, para prevenir os efeitos de inundações,
alagamentos, deslizamentos e chuvas intensas.
O objetivo
do estudo foi construir um mapeamento participativo com estudantes do ensino
médio para que suas propostas fossem consideradas na agenda de redução de
riscos de desastres. Participaram 22 alunos matriculados entre 2019 e 2021 na
escola estadual Monsenhor Ignácio Gioia, no município de São Luiz do Paraitinga
(SP). Também envolveu o Programa de Pós-Graduação em Desastres Naturais
oferecido pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) em parceria com o Centro
Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
A cidade,
um importante destino turístico da região do Vale do Paraíba principalmente por
seu centro histórico tombado como Patrimônio Cultural Nacional e por suas
festas tradicionais, como a Folia do Divino e o Carnaval de Marchinhas, foi
parcialmente destruída por uma enchente em 2010. À época, o nível da água
chegou a atingir 12 metros de altura em alguns trechos do município. Depois do
processo de reconstrução, houve uma série de investimentos, além da realização
de desassoreamento do rio e obras de contenção de encostas.
“O terceiro degrau da igreja matriz era, até então, considerado o limite
de onde chegavam as águas transbordadas do rio Paraitinga. No réveillon de 2009
para 2010, a enchente cobriu a igreja e derrubou casarões históricos. Apesar da
destruição, não houve mortos, em parte, graças ao trabalho de resgate de
praticantes de rafting que moravam na cidade. Eles passaram a madrugada fazendo
mais de 400 resgates antes que os órgãos de emergência chegassem ao local. Isso
mostra a importância da participação da população”, diz o sociólogo Victor Marchezini,
pesquisador do Cemaden e orientador do trabalho.
À Agência FAPESP, Marchezini afirma que, depois de seu
doutorado realizado logo após a enchente, em que analisou barreiras e desafios
da participação local durante o processo de recuperação da cidade, detectou a
necessidade de criar metodologias para envolver os moradores nas ações de
prevenção.
“Se não há
esse tipo de envolvimento, as respostas aos desastres acabam sendo
improvisadas, as pessoas não estão preparadas. Usamos São Luiz do Paraitinga
como um laboratório vivo, pensando em ações de prevenção”, completa o
pesquisador.
No Brasil, pelo menos 8,3 milhões de moradores em 872 municípios vivem
em áreas consideradas de risco, de acordo com o IBGE (Censo
de 2010). Apesar de a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC, lei nº 12.608/2012)
prever a participação da sociedade em ações de preparação, mitigação e recuperação
voltadas à defesa civil, a legislação não cria mecanismos para incentivar esse
envolvimento. No país, apenas 6,8% dos municípios informaram ter núcleos
comunitários de proteção e defesa civil, de acordo com a pesquisa do IBGE.
Passo
a passo
Os alunos
envolvidos na pesquisa receberam capacitação e realizaram um mapeamento usando
fotos de São Luiz do Paraitinga feitas por drones para identificar áreas
propensas a inundações e a deslizamentos de terra.
Os
estudantes foram estimulados a detectar grupos sociais que poderiam estar mais
expostos a esses riscos. Encontraram, por exemplo, a própria escola estadual de
ensino médio, uma unidade de educação fundamental e um asilo em locais
vulneráveis. Com base no levantamento, traçaram no mapa da cidade as zonas inundáveis
e de risco, usando também informações a respeito de áreas atingidas pela
enchente em 2010.
“Esses
jovens que participaram do mapeamento eram crianças naquele ano e não se
lembravam de vários aspectos relacionados à inundação. Buscamos ferramentas para
também fazer com que uma geração aprenda com a outra”, explica Marchezini.
A partir
do mapeamento, os alunos fizeram um exercício para planejar rotas de fuga em
caso de novos desastres. Em seguida, foram divididos em cinco grupos, sendo que
cada um teve de propor e planejar medidas de redução de riscos de desastres,
incluindo previsão de orçamento.
Para
contribuir com recomendações e sugestões, as propostas dos grupos foram
compartilhadas com a Defesa Civil local e com a organização não governamental Akarui,
que desenvolve projetos com ênfase no envolvimento comunitário em São Luiz do
Paraitinga.
O trabalho
com os alunos foi conduzido pelo professor da escola estadual Daniel Messias
dos Santos, um dos que assinam o artigo juntamente com o primeiro autor, o
doutorando Miguel Angel Trejo-Rangel, do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe).
Entre as
ações sugeridas pelos estudantes estavam a criação de um comitê de comunicação
pelos municípios da bacia hidrográfica do Paraitinga, que inclui São Luiz e
Cunha, a realização de um planejamento territorial para evitar construções em
áreas de risco, a criação de um aplicativo para comunicar ações de resposta e
um plano de preparação direcionado aos moradores.
Os resultados foram apresentados em evento, realizado em outubro do ano
passado, com a participação de alunos, além de representantes da prefeitura,
Defesa Civil e órgãos envolvidos na área (assista ao vídeo aqui). Na ocasião, a prefeita Ana
Lúcia Bilard Sicherle, que também ocupava o cargo no ano da enchente, falou da
importância da fiscalização para evitar que áreas de risco voltem a ser
ocupadas. “Hoje temos uma equipe de Defesa Civil mais forte, além de mais
mecanismos de monitoramento”, afirmou.
Agora, a metodologia desenvolvida pelo grupo de pesquisadores será
incluída no programa Cemaden
Educação, que tem o objetivo de levar a escolas
informações e projetos voltados ao desenvolvimento de uma cultura de percepção
de riscos de desastres. O programa já foi reconhecido como prática inspiradora pela
Convenção- Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla
em inglês).
Pesquisas realizadas no Brasil e em outros países já relacionaram as
mudanças climáticas à ocorrência de chuvas intensas (leia mais
em agencia.fapesp.br/36627 e revistapesquisa.fapesp.br/risco-de-mais-desastres-naturais).
O próprio relatório do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC na sigla
em inglês), divulgado no ano passado, alertava que chuvas fortes ficarão mais
frequentes e intensas.
No cenário
atual, em que o mundo se aqueceu 1 ºC na média global em relação ao chamado
período pré-industrial, o volume de água das tempestades é 6,7% maior, podendo
chegar a 30,2% no pior cenário (com aumento médio de 4 °C da temperatura da
Terra).
O artigo Giving voice to the voiceless: connecting
graduate students with high school students by incubating DRR plans through
participatory mapping pode ser lido em: www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/DPM-03-2021-0100/full/html.
Luciana
Constantino
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-propoe-envolver-jovens-no-mapeamento-de-risco-e-na-prevencao-de-desastres-ambientais/37978/
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