Casos severos e fatais de COVID-19 têm como característica um
quadro de inflamação sistêmica que, além dos pulmões, leva ao colapso
diferentes órgãos do paciente. Trata-se de uma reação inflamatória fora de
controle, que envolve elevadas taxas de moléculas pró-inflamatórias circulantes
no sangue – fato conhecido como tempestade de citocinas. Essa resposta
imunológica exacerbada tende a causar danos ainda maiores que o próprio vírus.
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão
Preto e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) demonstraram, pela
primeira vez, que o processo inflamatório pulmonar, a tempestade de citocinas e
a gravidade da doença estão associados ao aumento exagerado de mediadores
lipídicos (derivados de ácido araquidônico) e de acetilcolina – substância
normalmente produzida no sistema nervoso central e que participa da comunicação
entre neurônios.
O trabalho foi apoiado pela FAPESP por
meio de um projeto que investiga biomarcadores e novos alvos terapêuticos para
a COVID-19. Os resultados foram publicados na plataforma medRxiv ,
em artigo ainda sem revisão por pares.
“Ao encontrar uma alta concentração desses componentes
moleculares no soro de pacientes com quadros graves de COVID-19, podemos supor
que células pulmonares e leucócitos [do sistema imunológico] liberam, além de
citocinas, a acetilcolina, o acido araquidônico e seus derivados. Isso foi uma
grande surpresa, pois nunca esses compostos lipídicos tinham sido descritos
atuando no pulmão na COVID-19”, diz Lúcia Helena Faccioli ,
professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto
(FCFRP-USP).
A pesquisa faz parte dos objetivos do consórcio ImunoCovid –
coalizão multidisciplinar que envolve dez pesquisadores da USP e um da UFSCar,
além de profissionais de saúde da Santa Casa de Misericórdia e do Hospital São
Paulo em Ribeirão Preto, que trabalham em colaboração e com o compartilhamento
de dados e de amostras.
De acordo com a pesquisadora, o achado abre caminho para novos
estudos sobre a participação de mediadores lipídicos nesse tipo de inflamação,
bem como possíveis marcadores de gravidade e tratamento da COVID-19.
Além dos dois componentes moleculares, os pesquisadores da USP
identificaram o decréscimo na expressão CD14 e CD36, glicoproteínas da membrana
de células de defesa (leucócitos). Também descobriram que o uso de corticoides
no tratamento da inflamação reduz apenas as taxas de acetilcolina, não
interferindo no ácido araquidônico e seus derivados.
“Dessa forma, apesar de ser benéfico para muitos pacientes,
o uso de corticoides para tratar a hiperinflamação não induz os mesmos
resultados para todos os doentes. Por isso, com base no que vimos em nosso
estudo, é de se sugerir que o tratamento com corticoides seja iniciado o quanto
antes em indivíduos hospitalizados e com quadros graves e críticos, em
combinação com inibidores do metabolismo de ácido araquidônico”, diz Faccioli.
Vale ressaltar que o uso inadequado de corticoides pode
trazer riscos relevantes para o organismo. É importante buscar orientação médica
no que diz respeito à dose, ao período de início e à duração do tratamento.
Usar esse tipo de medicamento sem prescrição médica na fase viral da
doença, que vem antes da fase inflamatória, pode agravar a infecção.
Quebra-cabeça
A descoberta adiciona peças importantes ao
quebra-cabeça que envolve diferentes moléculas em cascata até que ocorra a
tempestade de citocina. Estudo realizado por outro grupo da USP, também em
Ribeirão Preto, já havia demonstrado a participação de um mecanismo imunológico
conhecido como inflamassoma nesse processo (leia mais em: agencia.fapesp.br/34680/).
Para determinar se a infecção pelo vírus SARS-CoV-2 alterava o
metabolismo dos mediadores lipídicos, o grupo de Faccioli realizou análises por
meio de uma técnica conhecida como espectrometria de massa de alta resolução.
Os pesquisadores estudaram o lipidoma (conjunto de moléculas de origem
lipídica) no plasma sanguíneo de pacientes com COVID-19 e de voluntários saudáveis.
No total, 8.791 metabólitos do tipo estavam presentes em pelo menos 50% de
todas as amostras.
Em seguida, os cientistas acompanharam a produção de mediadores
no soro sanguíneo de 190 pacientes com COVID-19 (de 16 a 97 anos), sendo 43
assintomáticos, 44 moderados, 54 graves e 49 críticos. Dessa forma, foi
possível estratificar os doentes em quatro fases ou graus diferentes da
infecção: leves, moderados, graves e críticos. Soma-se aos dados a análise de
39 participantes saudáveis e 13 hospitalizados sem COVID-19 (não infectados),
que formaram o grupo controle.
Os resultados do estudo foram confirmados com a análise de dados
de expressão gênica de biópsias pulmonares de pacientes infectados pelo
SARS-CoV-2 depositados em repositórios públicos e publicados em artigos
científicos. Embora mais estudos sejam necessários, os resultados abrem novas
perspectivas para o tratamento da COVID-19.
O artigo Cholinergic and lipid mediators
crosstalk in Covid-19 and the impact of glucocorticoid therapy pode
ser lido em www.medrxiv.org/content/10.1101/2021.01.07.20248970v1.
Maria
Fernanda Ziegler
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/novas-moleculas-associadas-a-hiperinflamacao-na-covid-19-sao-identificadas/35025/
Nenhum comentário:
Postar um comentário