Falta de fiscalização e punição são vistos como entraves da medida; estratégias não devem surtir efeito esperado no que diz respeito à contaminação pelo Coronavírus entre os jovens.
Na última semana, o Governo do Paraná editou o decreto
6294/2020, que promove “lei-seca” durante a madrugada e redução no número de
participantes em eventos. A nova legislação não permite a comercialização e
consumo de bebidas alcoólicas em vias públicas das 23h às 5h. Esse horário é o
mesmo que está previsto no decreto sobre o toque de recolher, mais uma
estratégia recente do governador paranaense na tentativa de frear a
contaminação pelo Coronavírus.
Na opinião da psicóloga comportamental Simone Martin
Oliani, que atua no Centro Integrado de
Neuropsiquiatria e Psicologia Comportamental (CINP), em Londrina, e
associada da Associação Brasileira de Estudo Sobre o Álcool e Outras Drogas
(ABEAD), a medida pode surtir efeitos apenas a curto prazo para diminuir a
proliferação da Covid-19. “Não vender bebidas alcoólicas e a proibição de beber
em locais públicos evita aglomerações. O ato de beber está associado ainda ao
uso do tabaco, que também aumenta o risco de contaminação entre os jovens. No
entanto, não acredito que o decreto terá o efeito esperado porque não há como
fiscalizar o consumo de bebida em público, que não acontece apenas em bares,
restaurantes e casas noturnas. As pessoas bebem em casa e em grupos com mais de
dez pessoas. Outro ponto fraco da medida é a falta de punição. Regras sem
consequências estão fadadas ao fracasso. Para funcionar precisaria
especificar as consequências do tipo “se... então “. E ainda, seria
adequado estabelecer contingências entrelaçadas, com a colaboração entre os
múltiplos órgãos envolvidos nas áreas de controle, de fiscalização, de saúde e
da adoção de campanhas de psicoeducação para que as pessoas não se expusessem
ao risco e, se precisassem se expor, que mantivessem os protocolos de
distanciamento e higienização”, observa.
Para Renato Figueiroa, diretor do Núcleo Estadual de
Política Sobre Drogas do Paraná (NEPSD), que diz respeito ao colapso do sistema
de saúde, a medida é válida porque tende a reduzir os acidentes causados por
infratores intoxicados. “Num momento em que há escassez de leitos, o decreto
ajuda no sentido de diminuir a ocupação de hospitais com feridos no trânsito. O
objeto da fiscalização está claro no decreto desta feita”, argumenta.
Uma política semelhante foi adotada na África do Sul no
início da pandemia e reduziu drasticamente os acidentes de trânsito com vítimas
intoxicadas.
Alcoolismo e pandemia
É consenso entre os especialistas que o aumento no
consumo de álcool é uma das consequências da pandemia. Fatores como o
isolamento social, convivência exacerbada nas famílias, que gera conflitos,
insegurança em relação à economia, além do medo de contrair a doença e da perda
de entes queridos, geram estresse e ansiedade. Erroneamente, o álcool ainda é
associado ao efeito relaxante inicial e é visto como uma forma de desestressar
nesses tempos difíceis. “No entanto, ao contrário do que a maioria pensa, o
alcoolismo favorece as crises de ansiedade e quadros de pânico e depressão. Daí
a importância de trabalhar a prevenção sobre o uso nocivo de beber em binge. E
isso vai além do toque de recolher e da proibição da venda e consumo de bebidas
em locais públicos”, justifica Simone
A psiquiatra especialista em dependência química e
vice-presidente da ABEAD, Alessandra Diehl, enfatiza que outras medidas são
importantes por parte do poder público para diminuir a prevalência do consumo
de álcool na forma de binge e o desenvolvimento do alcoolismo. “As estratégias
são conhecidas e precisam ser adotadas com mais rigor. Aumentar a taxação de
impostos tornando os produtos mais caros é uma forma de reduzir o consumo e de
fortalecer a economia. A indústria do álcool também deve ficar fora dessas
decisões e a comunicação das marcas precisa ser monitorada, como o controle da
publicidade e dos patrocínios. Campanhas de prevenção e a expansão de
tratamentos para dependentes também são ações que precisam ser contempladas”,
salienta Alessandra.
Ela complementa que a intervenção breve é uma das
estratégias de aconselhamento que já vem sendo fortemente recomendada pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) há muitos anos e com evidências sólidas de
efetividade na redução de consumo de álcool de risco ou nocivo. “Com
treinamento adequado de profissionais da saúde, incluindo os da atenção
primária e de salas de emergência, a medida poderia ser aplicada com resultados
a curto e médio prazo bastante favoráveis, uma vez que os especialistas já
estão prevendo um aumento da necessidade de intervenções e cuidados
psiquiátricos e psicológicos no pós- pandemia”, finaliza Alessandra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário