Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão
Preto conseguiram registrar em pacientes internados com a forma grave da
COVID-19 a formação de coágulos em pequenos vasos existentes embaixo da língua.
O achado, divulgado na
plataforma medRxiv, reforça a teoria de que
distúrbios de coagulação sanguínea resultantes de uma resposta inflamatória
exacerbada ao SARS-CoV-2 estariam na base dos sintomas mais severos da doença –
entre eles insuficiência respiratória e fibrose pulmonar.
Essa hipótese começou a ganhar força em abril, quando
pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP em São Paulo encontraram, durante
a autópsia de pessoas que morreram em decorrência da COVID-19, microtrombos nos
vasos mais finos que irrigam o pulmão (leia mais em: agencia.fapesp.br/32882).
“Ainda havia uma certa dúvida se esses distúrbios de coagulação
seriam uma consequência do longo período de internação em UTI [unidade de
terapia intensiva] ou se de fato eram causados pela resposta inflamatória
induzida pelo vírus. Mas nós conseguimos observar a formação dos microtrombos
já no primeiro dia de internação”, conta à Agência FAPESP Carlos Henrique Miranda,
professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto (FMRP-USP).
O artigo, ainda em versão preprint (não
revisado por pares), descreve a análise feita na microcirculação sublingual de
13 pacientes que precisaram ser intubados e submetidos à ventilação mecânica.
As imagens foram obtidas por meio de um microscópio equipado com uma câmera e
uma luz polarizada capaz de destacar as hemácias e os vasos sanguíneos. O
estudo foi apoiado pela
FAPESP.
“Nossa proposta original era usar o microscópio para estudar
problemas de coagulação sanguínea em pacientes com sepse [inflamação sistêmica
geralmente desencadeada por uma infecção bacteriana localizada]. Mas a pesquisa
foi paralisada por causa da pandemia e tivemos dificuldade até para importar o
equipamento. Conseguimos graças à ajuda da Gerência de Importação da FAPESP e
decidimos voltar nossa atenção aos pacientes com COVID-19”, diz Miranda.
A região sublingual foi escolhida por ser uma área de mucosa
possível de ser acessada de forma não invasiva. “Observamos nesses pequenos
vasos múltiplas falhas de enchimento, ou seja, trechos sem nenhuma hemácia.
Inferimos que nessas regiões existem trombos obstruindo o fluxo sanguíneo. Em
alguns dos pacientes conseguimos ver o vaso trombosando bem na nossa frente”,
relata o pesquisador.
De acordo com Miranda, o distúrbio de coagulação causado pelo
SARS-CoV-2 parece ter um “caráter predominantemente trombótico e muito
intenso”, diferente do que se observa na sepse bacteriana.
No caso da COVID-19, o problema está associado ao que se chama
de tempestade de interleucinas (proteínas que atuam como sinalizadores imunes),
que ativa um processo conhecido como cascata de coagulação. As plaquetas
presentes na circulação começam a se agregar, os trombos formados obstruem os
pequenos vasos do pulmão e causam microinfartos. As regiões do tecido que
morrem por falta de irrigação dão lugar a tecido cicatricial – processo
conhecido como fibrose. Além disso, os microtrombos que se formam na interface
do alvéolo pulmonar com os vasos sanguíneos impedem a passagem do oxigênio para
as pequenas artérias, prejudicando a oxigenação do sangue (leia mais em: agencia.fapesp.br/33175).
“Esses fatores inflamatórios que levam à formação dos
microtrombos são sistêmicos e, portanto, não afetam apenas o pulmão. Pode haver
prejuízos em diversos órgãos. Nós conseguimos registrar os efeitos na região da
língua”, explica Miranda.
Atualmente, o pesquisador coordena um estudo clínico com
heparina, um dos medicamentos anticoagulantes mais usados no mundo. O objetivo
é ver se o tratamento ajuda a melhorar a oxigenação do sangue de pacientes com
insuficiência respiratória causada pelo novo coronavírus.
“Pretendíamos registrar com o microscópio o efeito do tratamento
na microcirculação sublingual, mas a epidemia estourou aqui na região de
Ribeirão Preto e a prioridade agora é atender os doentes”, diz o pesquisador.
O artigo In vivo demonstration of microvascular
thrombosis in severe Covid-19 pode ser lido em: www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.07.09.20149971v1.
Karina
Toledo
Agência
FAPESP
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