O câncer tende a ser a principal causa de morte de brasileiros a partir
da próxima década. No entanto, quase nada se sabe sobre como os candidatos à
presidência planejam enfrentar esse monumental desafio. Por este motivo, a
Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) dirigiu aos candidatos algumas
questões sobre o tema. Surpreendentemente,
nenhum deles se dispôs a respondê-las. Um silêncio assustador.
A partir disso, a SBOC, então, debruçou-se sobre os programas de governo
dos candidatos que passaram ao segundo turno, Fernando Haddad (PT) e Jair
Bolsonaro (PSL), e encontrou ideias gerais e várias boas intenções para
melhorar a saúde pública no Brasil, ainda que sob perspectivas muito distintas.
Haddad promete programas que incentivem a alimentação saudável e
atividade física, a valorização do parto normal e atenção especial para
mulheres, negros, LGBTI+, idosos e outros grupos mais vulneráveis.
Especificamente sobre o câncer, nenhuma palavra. Por sua vez, Bolsonaro propõe
o treinamento de agentes comunitários de saúde para se tornarem técnicos de
saúde preventiva, além da inclusão de profissionais de educação física em
programas federais. Novamente: sobre o câncer, zero.
A falta de informação e debate sobre um assunto tão central ao futuro
dos brasileiros é alarmante. E, por isso, exortamos os candidatos à presidência
a atentarem à magnitude do problema que o câncer representa ao país. Em 2018, o Brasil chegou a uma taxa de incidência
do câncer de 217,2 casos por 100 mil habitantes – cerca de 600 mil brasileiros
diagnosticados pela primeira vez com a doença por ano. Na escala global de
incidência, dividida em cinco patamares, estamos no segundo, logo atrás dos
países desenvolvidos.
A guerra do Brasil contra o câncer terá de ser travada em várias
frentes. A primeira é a prevenção primária, com vacinação da população e
controle das doenças infecciosas que causam câncer – como o HPV, a hepatite B,
a hepatite C e o HIV –, além da diminuição do tabagismo e alcoolismo e o
aumento dos cuidados com a exposição solar, da qualidade da dieta e do controle
da obesidade.
A segunda é o diagnóstico precoce. É preciso ampliar o rastreamento do
câncer de mama com mamografia de boa qualidade, pois a maioria dos pequenos
municípios nem sequer possui um mamógrafo e o número de mamografias está
diminuindo no país, dado especialmente assustador. Há, ainda, outras ações
essenciais que devem ser implantadas em maior escala, incluindo o exame de
Papanicolau e a identificação das famílias com mutações genéticas nas quais
medidas preventivas podem ser tomadas.
Essas políticas públicas têm eficiência globalmente comprovada. Países
onde a mamografia atinge mais de 70% das mulheres conseguiram reverter a
mortalidade por câncer de mama em ao menos 30%, nos últimos 30 anos. O Brasil,
entretanto, está indo na direção oposta: segundo o Instituto Nacional de Câncer
(INCA), a mortalidade por câncer de mama apresenta uma curva ascendente.
A batalha dentro do SUS também será decisiva. Os atrasos para cirurgia e
radioterapia pioram os resultados do tratamento. O Brasil precisa melhorar a
gestão da capacidade instalada de radioterapia e aumentar o parque tecnológico.
Tratamentos quimioterápicos estão totalmente defasados em relação ao que é
aprovado para o sistema privado. Em outras palavras: o paciente oncológico
tratado no sistema público tem menor chance de cura e sobrevida. Diante de um
quadro tão grave, o próximo presidente – seja ele quem for – precisa de um
plano acurado e minucioso desde o início de seu governo para que o Brasil tenha
condições de fazer muito mais contra o câncer. A omissão, por outro lado,
cobrará um preço inadmissível.
Sergio D.
Simon - oncologista e Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica
(SBOC)
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