Garantir
a adesão às medicações de uso contínuo, usadas em quadros comuns no Brasil,
como hipertensão, colesterol alto e depressão, ainda é um desafio para a
medicina
As doenças crônicas não transmissíveis representam
mais de 72% das causas de mortes no Brasil e quase metade da população
apresenta alguma dessas condições, com destaque para depressão, diabete,
hipertensão arterial e dislipidemia (colesterol LDL alto), consideradas fatores
de risco para doenças cardiovasculares. Esses dados, compilados pelo governo na
versão mais recente da Pesquisa Nacional de Saúde, evidenciam a prevalência
elevada dessas enfermidades na população. Mas o problema vai além da
abrangência: grande parte desses pacientes simplesmente abandona o tratamento,
que na maioria das vezes deveria se estender por toda a sua vida.
No caso da dislipidemia, condição muitas vezes
silenciosa, convencer o paciente a prosseguir com o tratamento pode ser ainda
mais desafiador. “Quando um portador de artrite reumatoide não toma seu
medicamento, por exemplo, sente dores. Isso não ocorre com quem tem
dislipidemia. Em geral, o brasileiro mantém a medicação contra o colesterol
alto por um período curto, que vai de três a seis meses, segundo as pesquisas
de mercado feitas no País”, diz o médico José Rocha Faria Neto, professor de
Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e ex-presidente do
Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Apenas
40% dos hipertensos e 60% dos diabéticos em todo o mundo seguem corretamente a
prescrição médica, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas, embora o abandono do tratamento seja um
problema mundial, Faria Neto lembra que a situação é ainda mais grave nos
países menos desenvolvidos. É o que mostra um estudo recente publicado pela
revista científica The Lancet envolvendo 153.996 adultos de 17 nações,
entre elas o Brasil, divididas em quatro categorias: países com desenvolvimento
muito alto, alto, médio e baixo. Ao avaliar o uso contínuo de estatinas em
pacientes que receberam essa indicação médica, os pesquisadores constataram que
apenas 3,3% dos pacientes dos países com baixo desenvolvimento seguiam a
prescrição, ante 66,5% nos países mais desenvolvidos.
A literatura médica aponta que nem mesmo as
pessoas internadas em função de problemas cardiovasculares seguem o tratamento
indicado pelo médico após a alta hospitalar. Um estudo divulgado pela revista
científica Circulation, da Associação Americana de Cardiologia, revelou
que 25% de 4.591 pacientes que passaram por essa situação já não obedeciam a
prescrição médica assim que deixaram o hospital. Outro estudo, envolvendo
22.279 pacientes com síndrome coronariana aguda, mostrou que mesmo aqueles que
passaram a se tratar adequadamente após o episódio, apenas 40% continuavam a
tomar os medicamentos para controlar o colesterol passados dois anos da
internação. Esse trabalho foi publicado no Journal of The American Medical
Association (JAMA).
Falta informação
Para o cardiologista Faria Neto, a falta de
informação é um dos fatores que leva muitos pacientes a abandonarem a medicação
para doenças crônicas. “Boa parte da população não sabe, por exemplo, que o
colesterol alto é um problema crônico, exceto quando causado exclusivamente por
problemas dietéticos”, diz o médico. Além disso, nem sempre está claro para o
paciente que a dislipidemia e a hipertensão, muito relacionadas a vários
elementos da vida moderna, como alimentação inadequada, estresse e sedentarismo,
representam os principais fatores de risco para as doenças cardiovasculares,
que são a primeira causa de morte por doença no País.
Não é à toa que, dentro desse cenário, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) faz uma projeção nada otimista para o
Brasil: estima-se que, até 2030/2040, ocorra um aumento de 250% nas mortes por
doenças cardiovasculares no País. Para tentar reverter essa situação, os
médicos têm um papel fundamental, estimulando a adesão do paciente ao
tratamento. “Ele precisa conversar com o paciente, entender suas necessidades,
ouvir suas queixas e, quando necessário, até mesmo fazer ajustes na medicação”,
avalia Faria Neto.
A desinformação também ajuda a alimentar mitos em
outras áreas da medicina, em especial a psiquiatria. Receosos em adotar o uso
contínuo de antidepressivos, muitos pacientes interrompem a medicação por conta
própria, prejudicando seriamente o tratamento.
Pfizer
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