As
crianças estão tão ocupadas com o desempenho acadêmico e tão sobrecarregadas
com atividades extracurriculares que elas não têm tempo para serem
“simplesmente crianças”
Não é segredo que
as crianças estão atualmente trilhando “um caminho rápido para o sucesso”. Que
tipo de sucesso as crianças irão encontrar no final desta corrida de alta
pressão é que não sabemos, mas elas continuam a ser empurradas “para ter
sucesso” em todos sentidos: na escola, no inglês, na academia, no clube...
“Ao que me parece,
muitas crianças estão perdendo a infância. A pressão acadêmica é apenas uma
peça do quebra-cabeça quando se trata do ‘jejum de infância’. Nós estamos
experimentando uma mudança cultural gradual, em vários âmbitos no que se refere
à esta etapa da vida”, afirma o pediatra e homeopata Moises Chencinski
(CRM-SP 36.349), autor do Blog Mama que te
faz bem.
Segundo o médico,
“a pressão acadêmica sobre as crianças é mais intensa agora, mas elas também
estão sobrecarregadas com atividades extracurriculares. Elas praticam esportes
competitivos (às vezes dois, três...), também são obrigadas a cursar aulas de
música e de arte e a participar de atividades de sua comunidade (escola,
condomínio, prédio), o que preenche completamente a semana e o final de semana
com eventos, compromissos, datas de jogos/competições e festas”, diz
Chencinski.
As crianças estão
“perdendo a infância” porque perderam o direito de ter um tempo livre para
brincar, sem competição, sem obrigação... Essa mudança cultural: a
possibilidade de estar com os amigos apenas para brincar, não para competir,
não para se apresentar, não para tocar, não para mostrar um talento fará imensa
diferença nos níveis de estresse e de felicidade das crianças.
Em um artigo no The
Independent, Peter Gray, pesquisador do Boston College e autor de um
livro sobre o tema,
defendeu a necessidade de mais brincadeiras não estruturadas para as crianças.
Ele sustenta que algumas das mais importantes habilidades para a vida não são
ensinadas na sala de aula. A brincadeira é o veículo pelo qual as crianças
aprendem a se relacionar com os outros, a resolver problemas e a controlar suas
emoções.
“Eu não poderia
concordar mais. Já abordei o tema algumas vezes. A
brincadeira é muito mais do que os personagens que as crianças inventam e
assumem nas histórias que desenvolvem. Através da brincadeira, as crianças
aprendem a dominar seus medos, afirmar suas necessidades, processar e lidar com
suas emoções e conviver com outras pessoas. A brincadeira ajuda as crianças a
resolver conflitos e aliviar o estresse”, defende o médico, membro do
Departamento de Pediatria Ambulatorial e Cuidados Primários da Sociedade de
Pediatria de São Paulo.
“Mesmo diante de
tantos benefícios para o desenvolvimento infantil, é raro encontrar uma criança
que tenha tempo na agenda para participar de jogos e/ou atividades não
estruturados. É hora de fazer uma mudança. Os pais não podem controlar a
pressão acadêmica que as crianças enfrentam a cada dia, não podem controlar a
quantidade de lições que elas trazem todas as noites, mas podem mudar a forma
de auxiliar seus filhos, quando eles estão em casa. Os pais precisam fazer
alterações nos horários para que as crianças tenham tempo de brincar”, defende
o pediatra.
Cinco razões para
deixar seus filhos brincar
A seguir, Moises
Chencinski enumera algumas das principais razões para que os pais reservem um
tempo na agenda dos filhos apenas para “o brincar”:
01) Alívio do estresse
Brincar é uma
oportunidade para as crianças processarem e trabalharem com as emoções
negativas com as quais se deparam ao longo do dia. O fato de ser criança pode
fazer com que tudo pareça diversão e jogos e talvez os seus
"problemas" pareçam insignificantes. Mas nem por isso, as crianças
deixam de sentir estresse, que, em alguns casos pode ser “grande e esmagador”.
“As crianças
trabalham todos os tipos de emoções quando absortas em brincadeiras não
estruturadas. Elas podem começar a brincadeira estressadas, mas, uma vez
imersas num mundo de imaginação, elas gradualmente liberam a tensão e
restauram a sensação de calma”, explica o médico.
02) Controle emocional
“Os pais sempre me
perguntam como ensinar seus filhos a controlar suas emoções. Crianças pequenas
tendem a expressar sentimentos muitos exagerados e muitas vezes reagem antes
que os pais tenham tempo sequer de processar o evento que desencadeou tais
sentimentos. Através da brincadeira, as crianças aprendem a controlar seus
impulsos e trabalhar com suas emoções. Elas aprendem a encontrar os gatilhos e
a resolver potenciais problemas”, comenta o pediatra.
03) Melhora das
habilidades de interação social
A brincadeira em
grupo não estruturada é a melhor maneira de deixar as crianças trabalharem suas
habilidades de interação social. “Quando envolvidas em brincadeiras em grupo,
as crianças têm de aprender a cooperar, resolver conflitos, ter empatia com os
outros e a se relacionar com seus pares”, diz Chencinski.
04) Promoção de uma
resolução criativa de problemas
Uma criança pode
memorizar as respostas às perguntas de matemática (e pode ainda memorizar as
estratégias para resolver problemas difíceis de matemática), mas não pode
memorizar maneiras de resolver problemas na vida real. “E se uma peça do quebra-cabeça
sumir? E se outra criança for deixada de fora do grupo? E se o meu colega
faltar e meu time de queimada ficar desfalcado? Crianças enfrentam uma série de
problemas, a cada dia, e esses problemas variam de acordo com a idade e com o
seu estágio de desenvolvimento. Elas têm que aprender a dar um passo atrás e
avaliar a situação antes de desistir da brincadeira ou de ficar brava com
outrem. Elas têm que aprender a ‘pensar fora da caixa’. E isso é algo que elas
podem aprender através das brincadeiras”, defende o autor do Blog Mama que te faz bem.
05) Promoção da
aprendizagem
A grande ironia de
aumentar a pressão acadêmica em detrimento da brincadeira desestruturada é que
a brincadeira realmente promove a aprendizagem.
“Você já viu as
crianças despejarem uma lixeira e construírem algo, a partir do nada, só porque
elas estavam brincando de fazer aquilo? É preciso planejamento, pensamento
criativo, cooperação e desenvoltura para transformar um monte de papelão velho
numa escultura, por exemplo, ou numa casinha de bonecas. A brincadeira é um
estilo de aprendizagem mais natural para as crianças. Elas aprendem com a
brincadeira desde o primeiro momento em que mordem blocos de madeira e
continuam a aprender através da brincadeira, de maneira mais avançada, à medida
que crescem”, diz o pediatra.
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