Especialistas apontam que o tabagismo é
um dos principais fatores de risco para a doença
Levantamento inédito da Sociedade Brasileira de Angiologia e de
Cirurgia Vascular (SBACV) identificou que pelo menos 10 pessoas são internadas
no País por conta de aneurisma da aorta, problema que acomete o principal vaso
sanguíneo do corpo e que, se não tiver o diagnóstico e o tratamento adequados,
pode levar à morte ou ao comprometimento da saúde e da qualidade de vida dos
pacientes. Na esteira da pandemia de covid-19, os especialistas percebem uma
tendência de alta em atendimentos desse tipo nos primeiros meses de 2022 com
relação a anos anteriores.
O cálculo aponta que, entre janeiro de 2012 e maio de 2022, quase
40 mil pessoas foram submetidas a procedimentos para tratamento da doença, com
milhares de casos com desfecho fatal. Os números se referem apenas aos serviços
prestados pelos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS). Diante disso,
estima-se que o número de casos seja maior em virtude de atendimentos
realizados por planos de saúde e de modo particular.
O trabalho realizado pela SBACV foi feito com base em informações
disponíveis na base de dados do Ministério da Saúde. Um fato que chama a atenção
é que nos primeiros cinco meses de 2022 houve um recorde no volume de
ocorrência na comparação com o mesmo período de anos anteriores. De acordo com
especialistas, a alta na incidência do aneurisma de aorta neste ano pode estar
relacionada aos cuidados preventivos reprimidos durante o isolamento social.
“Muitos problemas vasculares não apresentam sintomas e a rotina de
consultas clínicas é essencial para descobri-los de forma preventiva,
aumentando as chances de bons resultados nos tratamentos e até de cura. O
aneurisma da aorta é um exemplo que sugere a importância do acompanhamento
clínico regular. Tendo em vista seu caráter quase sempre assintomático, o
diagnóstico se torna mais comum durante a investigação de outras doenças
paralelas”, explica Julio Peclat, presidente da SBACV.
Cenário nacional -- A SBACV recorreu a números oficiais do SUS para entender a
prevalência do aneurisma da aorta na série histórica de janeiro de 2012 a maio
de 2022. Os dados apontam que um total de 39.833 procedimentos para tratamento
da doença foram realizados nesse período. Desse total de internações, cerca de
13% tiveram desfecho fatal, resultando na morte de 5.297 pacientes.
A maior parte dos procedimentos realizados no País se concentram
na região Sudeste, com 49% (19.430) dos registros relacionados às internações
para tratamento de aneurismas da aorta. Já o Norte foi a que menos contabilizou
casos da doença, com 1.875 internações. Na tabela abaixo há outros detalhes da
quantidade dos procedimentos hospitalares, realizados de janeiro de 2012 a maio
de 2022, em cada região brasileira.
Um fato chama a atenção dos especialistas e alerta sobre as consequências
da suspensão de acompanhamentos clínicos durante a crise sanitária provocada
pela covid-19. O levantamento identificou que o número de internações por
aneurisma da aorta registrado nos cinco primeiros meses de 2022 já supera o
valor correspondente ao mesmo período durante os últimos 10 anos.
Nos cinco primeiros meses de 2012, o Brasil totalizou 1.182
procedimentos hospitalares relacionados à doença. No mesmo período de 2022, o
País já soma 2.011 internações para tratamento de aneurismas da aorta, número
70% maior que o observado no início da série histórica. A evolução desse quadro
aparece na tabela a seguir, que traz o resultado das notificações de
internações no SUS para tratamento da doença nos cinco primeiros meses de cada
ano.
Já os dados relacionados aos óbitos em decorrência do problema
vascular apontam que 5.291 pessoas perderam a vida de janeiro de 2012 a maio de
2022. Assim como no ranking das internações, o Sudeste brasileiro lidera com
50% dos registros, ou seja, a região concentra 2.635 mortes pela doença, como
mostra a tabela abaixo.
De maneira geral, foi registrado aumento do número de óbitos por
tratamento de aneurisma de aorta ao longo da série histórica. No entanto, em
2020 foi registrada uma pequena redução de 4% em relação ao ano anterior, o que
sugere uma relação com o rigor do distanciamento social durante o período de
emergência em decorrência da pandemia.
“O número de internações e de óbitos é um alerta para a importância
da rotina de cuidados com a saúde vascular. O aneurisma da aorta é uma doença
que deve ser acompanhada desde suas fases iniciais, no entanto, seus efeitos
são silenciosos. Sem consultas preventivas para checar o funcionamento do
sistema vascular, o problema acaba sendo descoberto quando ele já é uma ameaça
à vida do paciente”, alerta Julio Peclat, presidente da SBACV.
Estados - São Paulo foi o estado brasileiro que mais realizou procedimentos
voltados ao tratamento de aneurismas da aorta, somando 10.444, o que representa
26% do total de todo o País. Em seguida, aparecem Minas Gerais e Rio Grande do
Sul, representando 12% e 10%, respectivamente. Já Amapá (66 registros) e
Roraima (62 registros) foram os estados que na série histórica registraram menos
internações.
Quando considerada a variação percentual entre 2012, início da
série histórica, e 2021, último ano em que foi possível obter dados
consolidados para todos os 12 meses, Alagoas revela o maior aumento dentre
todas as unidades federativas do País, com alta 714% em 10 anos. Outros estados
com crescimento expressivo no número de internações são Sergipe (228%),
Rondônia (158%) e Distrito Federal (146%). Confira abaixo o número de
internações em cada estado brasileiro, de janeiro de 2012 a maio de 2022.
Agosto Azul Vermelho
- Com o objetivo de prevenir e estimular o diagnóstico e o tratamento precoces
de aneurisma da aorta e de outros problemas de saúde, a SBACV promoveu a
campanha Agosto Azul Vermelho. A iniciativa, que teve como símbolo o laço nas cores
azul e vermelho, visou conscientizar a população sobre a relevância de cada um
estar atento aos aspectos relacionados à saúde vascular.
Para os especialistas, isso implica na observação de cuidados relacionados
às doenças venosas, arteriais e linfáticas. A ação contou com o engajamento de
todas as regionais da SBACV, fazendo com que angiologistas e cirurgiões
vasculares de todo o País impulsionassem a cadeia de informações acerca da
saúde vascular neste mês de agosto. Assim, a SBACV estimulou os pacientes e
seus familiares a retomarem sua rotina de cuidados, evitando que os problemas
de saúde que possam ser tratados de forma eletiva evoluam para casos graves,
necessitando de atendimento de urgência e emergência.
“A mensagem principal da iniciativa capitaneada pela Sociedade
Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular é que precisamos cuidar da
saúde para evitar ter que tratar da doença. Quando se tem uma mensagem
relevante, o desafio é fazer esse recado chegar a cada vez mais pessoas”,
explica o presidente da entidade.
Para entender as ameaças do aneurisma da aorta, bem como as formas
de prevenir o problema, o cirurgião vascular Mateus Borges, diretor de
Publicações da SBACV, explica em entrevista as principais características da
doença e detalha aspectos ligados ao seu diagnóstico e tratamento. Confira:
O que é um aneurisma e quais suas consequências quando
localizado na aorta?
Mateus Borges - Aneurismas são dilatações focais da parede de um vaso. Dentre os
aneurismas localizados nas artérias extracranianas, o mais comum é o da aorta
abdominal. Os aneurismas da aorta abdominal são em sua maioria assintomáticos,
mas podem crescer e se romper, levando a uma hemorragia grave, muitas vezes
fatal. Os aneurismas podem conter trombos em seu interior que se deslocam para
as pernas, causando problemas paralelos como, por exemplo, a isquemia (falta de
circulação) nos membros.
Quais as principais causas do aneurisma da aorta?
Mateus Borges - A maioria dos aneurismas da aorta abdominal são de etiologia
degenerativa. Há ainda contribuição genética, familiar, inflamatória ou
infecciosa em sua gênese.
Quais os primeiros sinais do problema?
Mateus Borges - A maioria dos aneurismas são assintomáticos. Durante sua
expansão, podem provocar dor, desconforto e, a ruptura, geralmente leva a dor
abdominal súbita e de forte intensidade, irradiando-se para as costas, flancos
ou mesmo para as virilhas. Por ser um problema geralmente assintomático, muitas
vezes ele não dará sinais ou sintomas de sua existência. No exame físico,
algumas vezes, é possível palpar uma massa pulsátil no abdome, próximo ao
umbigo, mas em geral são necessários exames para confirmar sua existência.
Existem fatores de risco?
Mateus Borges -- Há vários comportamentos de risco. Podemos destacar o uso do
cigarro como principal fator modificável. Também fazem acender o alerta a idade
avançada, a obesidade e a pressão alta. Importante notar que essa doença afeta
mais pessoas do sexo masculino, que são de quatro a seis vezes mais atingidas
do que as do sexo feminino. Há, ainda, uma tendência familiar, sendo
fundamental que pessoas com parentes acometidos sejam submetidas a uma pesquisa
mais precoce do problema.
Como é feito o diagnóstico?
Mateus Borges - O exame clínico com a palpação abdominal pode levar a suspeita de
um aneurisma, mas não é considerado acurado o suficiente para confirmar ou
descartar o diagnóstico. O ultrassom abdominal é a ferramenta inicial a ser
utilizada para a triagem da doença. Também é utilizado para o seu
acompanhamento até que se pondere uma indicação de intervenção onde exames mais
detalhados são necessários. A pesquisa rotineira dos aneurismas pode beneficiar
homens de idade avançada, principalmente os tabagistas. Outros exames como a
angiotomografia e a angioressonância são capazes de dar o diagnóstico e também
o detalhamento anatômico necessário para a definição de uma estratégia de
tratamento cirúrgico.
Quais cuidados preventivos podem ser tomados?
Mateus Borges - O principal fator de risco modificável é o cigarro, que deve ser
imediatamente cessado. Além disso, observe os seguintes pontos: diante de uma
história familiar de aneurisma, a atenção deve ser redobrada e a triagem mais
liberal; o controle de comorbidades, como a hipertensão arterial e a obesidade,
deve ser estimulado; e a pesquisa em um subgrupo de risco da população também
pode levar ao diagnóstico precoce e acompanhamento, desta forma, o tratamento,
quando indicado, ocorrerá em uma fase menos grave da doença, antes de sua
ruptura.
Qual o papel da campanha Agosto Azul Vermelho diante dos
dados levantados nesse estudo?
Mateus Borges - O Agosto Azul Vermelho é uma campanha NACIONAL de conscientização da
população sobre os cuidados com a Saúde Vascular. Buscamos através da
comunicação direta por mídias sociais, cartilhas, ações na comunidade e
imprensa, orientar sobre as principais doenças vasculares, seus fatores de
riscos, formas de prevenção e tratamentos. Esta campanha está em seu segundo
ano e conta com o engajamento de todas as regionais da Sociedade Brasileira de
Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV).