Professora e Coordenadora da graduação em
Psicologia do Centro Universitário São Camilo, Gláucia Benute, explica o
conceito de luto coletivo e como este sentimento pode afetar a saúde mental de
jovens e adultos diante de catástrofes naturais recentes, tempos de pandemia e
da Guerra entre Rússia e Ucrânia. Ouça a entrevista também em áudio, no link: https://open.spotify.com/episode/0NtXRY0xdqny73r2x0Iwom?si=1289c0ba3fc940d7
A pandemia de Covid-19
superou a marca de 650 mil mortes no Brasil. A recém iniciada guerra entre
Rússia e Ucrânia teria vitimado, de acordo com a Organização das Nações Unidas
(ONU), 136 civis entre os dias 24 e 28 de fevereiro, além de 400 feridos neste
mesmo período. Em Petrópolis, no Rio de Janeiro, 233 pessoas perderam a vida em
deslizamentos devido às fortes chuvas que atingiram a cidade no final do mês de
fevereiro.
De acordo com a
Coordenadora da graduação em Psicologia do Centro Universitário São Camilo,
Glaucia Benute, a sequência de tragédias humanitárias que ceifam centenas de
vidas afetam “nossa saúde física e mental”. “A
perda de um ente querido mexe com a subjetividade de cada um. No entanto,
quando se trata de luto coletivo nem sempre este é um processo
reconhecido, mas é uma condição que também merece atenção
e cuidado, uma vez que ele afeta diretamente o processo do luto
individual e também pode levar à sintomas de fadiga e de
ansiedade e depressão, quando não elaborado adequadamente”.
Segundo a psicóloga, as
notícias sobre a Guerra entre Rússia e Ucrânia podem
despertar sentimentos profundos de angústia e medo. “Essa questão da
guerra nos aproxima da questão da finitude e do fracasso. A angústia é
intensa, tanto pelo que diz respeito à possibilidade de uma proporção
estratosférica, colocando todos em contato com um risco nuclear muito
grande, quando pelo contato direto com a morte de pessoas que estavam
tranquilas em seus lares e que estão perdendo tudo, do direito de comer ao
direito de viver, intensificando sentimentos de medo, frustração e impotência
nos colocando em contato com nossas limitações, fundamentalmente no que diz
respeito à falta do poder de proteger as pessoas que estão sofrendo e expostas
a esta condição da guerra e, da fragilidade para protegermos as pessoas que
amamos e a nós mesmos”.
Acompanhe abaixo a análise
da professora Gláucia Benute e entenda o que é o luto coletivo, sua
relação com a saúde mental e saiba como lidar com as emoções neste
momento.
O que é o luto e a
diferença entre o processo de luto individual e coletivo?
O luto é uma situação de
perda. É um processo que deve ser natural e que toma
diferentes formas dependendo da sociedade e da cultura que é
vivido. Os rituais acontecem através das crenças individuais de um
povo, o velório é muito comum, mas na pandemia está acontecendo de uma
forma diferente pela transmissão do Coronavírus. E isto transforma o modo de
lidar com o luto, complicando ainda mais o processo de superação e abalando a
saúde física e mental. De fato, trazem complicações físicas. Na pandemia,
vivenciamos o luto por outras pessoas que não fazem parte de nosso círculo
familiar e de amigos, acarretando em sentimento de angústia e medo. Quando a
morte chega tão perto, pensando nas perdas e rupturas, as
consequências físicas ficam evidentes.
O que o luto coletivo
representa a longo prazo para a saúde mental?
Além das mortes ocasionadas
pela Covid-19, tivemos vários casos de acidentes naturais e agora o mundo vê de
perto a guerra na Ucrânia, que está levando à morte um grande número de pessoas
e tudo isto traz medo. O excesso de imagens das tragédias, a comoção pelo
sofrimento alheio afetam a saúde psíquica e pode mudar a nossa individualidade
de como lidamos com a nossa vida diária. A perda de um ente querido mexe com a
subjetividade de cada um. O luto coletivo precisa ser compreendido, é um
processo que precisa ser cuidado, ele faz parte do mesmo processo do luto
individual. Traz uma fadiga intensa que leva a crises de ansiedade e depressão.
No momento atual, a saúde mental tem sido observada com muita atenção, pelo
fato de as pessoas estarem vivenciando a proximidade com a morte. As pessoas
precisam de uma reorganização diária.
Qual a sua opinião em
relação à exposição na mídia dos eventos trágicos?
É necessária para sabermos
o que está acontecendo no mundo, mas temos que ter bom senso em relação ao que
deve ou não ser veiculado. Nós já estamos muito expostos a esse
sentimento, se pudéssemos elencar qual seria o sentimento mais complicado,
podemos mencionar o pavor e depois o pânico. Quando isto acontece, o indivíduo
desenvolve um comportamento de medo de, por exemplo, sair na rua, deixar o
filho ir a uma festa, ir ao shopping. Cria-se uma situação comportamental que
muda a vida no dia-a-dia da pessoa devido ao desenvolvimento de sintomas de
ansiedade e isto afeta gravemente a saúde mental.
A invasão da Rússia na
Ucrânia traz um sentimento de medo globalizado, como vemos isto no
Brasil?
Medos vão se somando. Essa
questão da guerra nos aproxima da questão da finitude e do fracasso. A
angústia é muito intensa, porque a guerra pode ter proporção
estratosférica, de um risco nuclear muito grande. O medo é ainda maior, por
nós, pelas pessoas que amamos e também por aqueles que estão vivenciando a
guerra. Alguém tomou a decisão de iniciar a guerra e está pondo em risco a vida
de outras pessoas, é uma sensação de impotência, porque não temos como impedir.
O sofrimento do outro é sentido como poderia acontecer com você, os sintomas
ligados ao luto podem se intensificar ainda mais. A retomada da vida diária
pode ficar difícil, porque a imagem de lembranças de pessoas falecidas acabam trazendo
sentimentos muito fortes. Neste momento, as pessoas têm que ficar atentas como
estão se sentindo e avaliar se precisam de ajuda profissional.
A coletividade pode ser um
recurso para superar?
Depende como vamos lidar
com o sentimento coletivo. É difícil na verdade, o sentimento é de fadiga
intensa. Estamos no primeiro trimestre de 2022 e as pessoas não estão com a
sensação de "vamos iniciar um novo ano", nós estamos exaustos pela
pandemia, ainda estamos vivendo este luto e as outras tragédias estão se
somando, aí para piorar a situação vem a guerra. Será que temos condição de
superar, se ainda estamos vivendo este processo? Quando perdemos um ente
querido, temos que superar vagarosamente o nosso dia a dia, fazendo reflexões,
vivenciando o luto, mas com tantas tragédias, ainda não deu tempo para
ressignificar tudo isto. Estamos no processo dessas perdas, as pessoas ainda
sentem fadiga e exaustão. As pessoas precisam individualmente olhar para a
saúde mental. A irritabilidade, o nervoso, a sensação de vazio devem ser
observados.
Como superar o luto?
Deve-se pensar que o luto é um processo normal e precisa acontecer
para superação da perda. Este sentimento de tristeza é natural, mas ao longo do
tempo precisa retomar a vida, superando aos poucos, toda a tristeza tem que ser
transformada em lembrança. O que eu chorei pela perda hoje, não pode ser igual
em um ano. Essa tristeza tem que ir se transformando ao longo do tempo.