Às vésperas do primeiro turno das eleições municipais, estudos mostram que cidades que investem na preservação do meio ambiente têm muito a ganhar nos âmbitos social e econômico
O primeiro turno das eleições municipais acontece
no dia 15 de novembro, com milhares de candidatos aos cargos de prefeito e
vereador nas 5.570 cidades do país. No Brasil, a Constituição de 1988
reconheceu os municípios como entes federativos, dando-lhes grande poder de
autonomia sobre certos aspectos da vida em sociedade. É o poder público
municipal o responsável por tomar decisões referentes, por exemplo, à
mobilidade urbana, à ocupação do solo, à educação infantil e fundamental e à
proteção do patrimônio histórico-cultural local.
“Todas essas áreas têm em comum o fato de estarem ligadas
diretamente à conservação da natureza. Com isso, o Executivo e o Legislativo
municipais têm a capacidade de se tornarem grandes condutores de
desenvolvimento nas cidades e importantes agentes de transformação na vida de
seus moradores”, explica o gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação
Grupo Boticário de Proteção à Natureza, André Ferretti.
De acordo com ele, as Soluções Baseadas na Natureza
(SBN) têm papel relevante nesse cenário, oferecendo oportunidades para melhorar
o bem-estar humano, com benefícios econômicos, sociais e ambientais. Um dos
pontos primordiais para as cidades brasileiras se tornarem sustentáveis é no
ordenamento territorial, por meio do planejamento do uso, parcelamento e
ocupação do solo, ajudando-as a evitar as consequências de eventos climáticos
extremos.
“A infraestrutura urbana pode contar com áreas
naturais como parte do sistema de drenagem. Além disso, a criação de sistemas
de produção sustentável de alimentos tem o potencial de amplificar a segurança
alimentar da população ao mesmo tempo que pode contribuir para a segurança
hídrica. Outra iniciativa que deve ficar no radar de prefeitos e vereadores é a
adoção de parques lineares nas margens de rios, de maneira a evitar que
enchentes e inundações possam afetar a vida da população de forma negativa,
gerando maior segurança frente aos impactos”, diz o especialista. A Fundação
Grupo Boticário lançou recentemente um documento sobre Cidades
baseadas na Natureza e o uso da infraestrutura natural para a resiliência
urbana, com ações que podem ser aplicadas nos municípios e exemplos de sucesso
no mundo.
O caso de Nova York
Na década de 1990, a cidade de Nova York enfrentou
uma grande crise hídrica e considerou duas alternativas para solucionar o
problema. A primeira e mais comum seria a utilização de uma grande obra de
engenharia convencional que custaria US$ 5 bilhões e a segunda alternativa, a escolhida,
foi utilizar a natureza como parte da solução com um custo de US$ 500 milhões.
Foram compradas terras ao redor das represas para
garantir qualidade e quantidade de água para abastecer a cidade. Além disso,
foram investidos esforços para sustentabilidade na produção de alimentos em
propriedades rurais particulares que estão a até 200 quilômetros de distância,
para o fortalecimento do cinturão verde por meio de sistemas integrados e para
a intensificação sustentável da agricultura e pecuária. A utilização da
natureza como parte da solução foi tão efetiva que o único tratamento de água
utilizado na cidade até hoje é o de filtragem, sem necessidade de gastos com
bombeamento. Para cada US$ 1 investido na natureza foi possível economizar US$ 7,
demonstrando a efetividade dessas iniciativas.
Nova York também investiu em identificar vazamentos
nas tubulações centenárias e em materiais educativos para a população e
estudantes, para conscientizar sobre a importância da conservação da natureza e
do cuidado com o entorno e áreas verdes urbanas. Hoje, a cidade possui um
programa chamado PlaNYC, cuja meta é oferecer a cada habitante um espaço
público verde a no máximo dez minutos de caminhada de sua casa até 2030.
Áreas rurais
Embora alguns problemas tenham em sua origem o
rápido crescimento populacional característico das grandes metrópoles, as
médias e pequenas cidades também se beneficiam ao colocarem a natureza no
centro de seu planejamento, estejam elas em áreas urbanas ou rurais. Segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de todos os municípios
do Brasil, apenas 49 têm mais de 500 mil habitantes e somente 17 passam de 1
milhão.
Nas áreas rurais, por exemplo, é importante a
utilização de técnicas sustentáveis de agricultura, como o plantio direto ou a
rotação de culturas, de forma a reduzir a perda de solo por erosão, manter ou
até melhorar a fertilidade do solo e evitar problemas como a compactação e até
a desertificação. A questão hídrica também é considerada, especialmente em
municípios que pertencem a regiões metropolitanas. "Muitas vezes, a mesma
bacia hidrográfica que abastece uma cidade grande serve também às menores.
Nesse caso, uma população depende uma da outra. O mesmo ocorre com a poluição
da água, do solo ou do ar. Não adianta uma cidade cuidar bem das nascentes e
rios e ter um grande programa de conservação de solo, se as outras cidades que
estão na mesma bacia hidrográfica ou rio acima não conservarem esses recursos
também, pois os impactos da erosão e da poluição das águas afeta a todos que
estão rio abaixo ou que dependem da água daquela bacia", diz Ferretti.
Outro ponto a ser observado é o saneamento básico.
O alto custo para a universalização desse serviço essencial acaba prejudicando
os municípios menores, que geralmente não têm orçamento suficiente para arcar
com os custos de uma obra de infraestrutura. Sem coleta e tratamento de água e
esgoto, muitos dejetos e outros materiais poluentes acabam indo parar nos rios
e oceanos, colocando em risco a biodiversidade marinha.
É também nas cidades menores que se localiza boa
parte do patrimônio cultural e natural do país, havendo, portanto, a
necessidade de que essas prefeituras criem esforços para proteger esses bens.
Uma das soluções que os especialistas em conservação costumam defender é a
integração dos patrimônios às atividades, como o turismo de natureza, criando
uma situação em que a proteção dessas áreas resulte na geração local de emprego
e renda.
Educação
Investir em educação é outra ação importante que
prefeitos e vereadores devem tomar para construir cidades mais inteligentes. Em
2016, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco) publicou o Relatório
de Monitoramento da Educação Global. Segundo o documento, numa pesquisa com
119 países, pessoas com mais escolaridade foram mais capazes de identificar
fatores ambientais em 58% das nações. Ainda de acordo com o estudo, indivíduos
com acesso às ferramentas de comunicação também são mais conscientes,
demonstrando a importância da informação e das tecnologias de comunicação na
educação ambiental.
“É preciso promover uma integração das crianças com
os ambientes, levando os alunos para os espaços públicos, as áreas verdes,
conhecer os patrimônios naturais, históricos e culturais da cidade em que eles
vivem. Sem conhecimento, não há conservação”, diz Ferretti, ressaltando a
importância de os eleitores conhecerem e cobrarem de seus candidatos
estratégias e planos de governo que tenham soluções baseadas na natureza entre
as ações.
Ele destaca que a ampliação de áreas verdes nas
cidades, além de gerar mais opções de lazer e melhorar a qualidade de vida das
pessoas, se traduz em maior resiliência diante de eventos climáticos extremos,
como tempestades e estiagens, e mais benefícios econômicos para os cofres
públicos. Um estudo do Serviço Florestal dos Estados Unidos mostrou que
residências em ruas arborizadas adicionava, em média, US$ 9 mil ao preço dos
imóveis na cidade de Portland. Num cenário que considera todas as casas em ruas
arborizadas, a arrecadação da prefeitura com impostos prediais teria um
incremento de US$ 54 milhões por ano.
Como fortalecer as cidades por meio da
conservação da natureza
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