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terça-feira, 24 de julho de 2018

BARRAR O INTRUSO


        A vigilante mídia brasileira se espanta mais com a adesão de uma quarta parte da população às posições conservadoras do candidato Bolsonaro do que com a adesão de um terço dessa mesma população às condutas moralmente corrosivas e economicamente destrutivas de um criminoso condenado, réu em meia dúzia de outros processos cujo denominador comum é a promíscua relação pessoal com grandes empresas que prosperam à sombra do Estado.
        Qual o motivo do estresse em que se envolveu o circo político-partidário nacional nas últimas semanas? Tratava-se, visivelmente, de barrar a presença de um intruso, um outsider, uma zebra que entrou no picadeiro eleitoral com ponderável estoque de intenções de voto.
        É fácil compreender o desconforto que isso causa. As forças políticas tradicionais, que degustaram os canapés do poder ao longo dos últimos trinta anos não sabem como operar com intrusos. Habituaram-se a atuar como corretoras de votos parlamentares e operadoras de verbas públicas legítima e ilegitimamente coletadas. Todo intruso é risco e todo risco tem preço, sabem os aprendizes do mercado de capitais.
        É verdade o que intuem. Bolsonaro é um intruso e, como tal, fator de risco. No entanto, esses mesmos partidos que somam letrinhas para encorpar a sopa, gastaram e continuam gastando seu tempo – e em muitos casos, longo tempo – cuidando de cargos e negócios. Em vez de ouvirem as vozes mais sensatas da opinião pública, de abrirem quadros e mentes para a renovação exigida pela sociedade, em vez de compreenderem seus anseios, fecharam-se no entorno de elites decadentes e, em muitos casos, totalmente desmoralizadas. Deram as costas para os interesses nacionais e para os clamores por responsabilidade e equilíbrio fiscal. Lançaram e deixaram que fossem lançados pela janela dos interesses mais escusos valores monetários duramente produzidos pelo trabalho dos cidadãos. Jogaram e continuam jogando o país no caos. Não ouviram os liberais e se afastaram dos conservadores que, juntos, formam folgada maioria do eleitorado.
        Bolsonaro representa um risco? Sim, há risco em toda eleição presidencial. Viver sob esse modelo político é como rodar em estrada esburacada – anda-se devagar e aos solavancos. Pneus estouram. Há candidatos de risco e candidatos sabidamente catastróficos. Quem confia no centrão ou no Ciro “tarja preta” Gomes, não deve atravessar a rua desacompanhado.
Em política, muito do que se é resulta definido pelo que se combate. Reitero ser ainda cedo para opções eleitorais definitivas. Na minha planilha, chegou a hora de marcar quem combate quem e o quê. Isso tem seu lado divertido e seu lado desolador. É divertido observar o descaramento das negociações que distribuem terrenos na lua do poder. É desolador o confinamento da maioria do eleitorado.




Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

Cinco coisas que você precisa saber sobre o voto distrital misto


Ana Marina Castro, gerente de mobilização do CLP, comenta questões importantes sobre o projeto de lei que aguarda por votação na CCJC 


Ontem, durante o Roda Viva, o pré-candidato à presidência da república Geraldo Alckmin, ao falar da necessidade de aprovar uma reforma política para o Brasil, citou a proposta do Voto Distrital Misto, que já está em tramitação na Comissão Constitucional de Justiça e Cidadania (CCJC) através do PL 9212/2017, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), já aprovado no Senado em 2017.

A proposta visa diminuir a complexidade do sistema eleitoral e aproximar o eleitor dos representantes eleitos. Se colocada em votação e aprovada no plenário da Câmara dos Deputados ainda este ano, já passaria a valer para as eleições de 2020. “Acreditamos o projeto de lei 9.212/2017 contribui para o fortalecimento da democracia brasileira, pois promove a aproximação entre candidatos e eleitores, reduz o custo de campanha e fortalece o papel dos partidos”, afirma Ana Marina Castro, gerente de Mobilização do Centro de Liderança Pública (CLP).


Maior proximidade entre sociedade e políticos: A adoção do voto distrital misto o acompanhamento dos mandatos pelo eleitor, além de diminuir o custo de campanha, uma vez que, por exemplo, os candidatos a deputado não mais precisarão ir em busca de votos por todo o Estado. “O atual modelo favorece apenas candidatos com padrinhos políticos ou com muitos recursos”, conta Ana Marina.


Mais transparência nas eleições: Segundo especialista do CLP, apesar de não eliminar o voto em lista, a proposta determina que a lista seja reordenada e registrada no TSE antes da eleição, para que os eleitores saibam quem serão os candidatos de cada partido que entrarão por proporcionalidade, diferente do que acontece hoje com a votação em lista aberta.


Mais representatividade: a proposta em tramitação no Congresso também simplifica o coeficiente eleitoral. Cada partido terá direito às cadeiras nas câmaras e assembleias de acordo com a proporção dos votos que obter. Por exemplo, se um partido do estado de São Paulo (que tem direito a setenta cadeiras na Câmara dos Deputados), receber 10% dos votos, ele terá direito a, aproximadamente, sete cadeiras. Primeiro serão eleitos os que receberem mais votos diretos em cada distrito, e as vagas remanescentes ficarão com os candidatos da lista. 


Partidos e ideias mais fortalecidos: se aprovada, a reforma eleitoral prevê o fim da coligação partidária para as eleições proporcionais, ou seja, a eleição em determinada legenda implicará na eleição apenas de candidatos daquele partido. “Isso fortalece o papel dos partidos e os força a ter plataformas mais claras para apresentar ao eleitorado”, explica Ana Marina. 


Minorias na política ganham maior representação: por fim, o sistema distrital misto favorece o aumento do número de candidatas, o que para a representante da ONG é um grande ganho para a democracia. Já pelas regras atuais, 30% do fundo de financiamento de campanhas deve ser aplicado em candidaturas femininas, e pode vir a ser de interesse dos partidos registrar mais candidatas nos distritos e na lista preordenada.






Sobre o CLP
O CLP – Centro de Liderança Pública é uma organização sem fins lucrativos e apartidária, que desenvolve líderes públicos empenhados em promover mudanças transformadoras por meio da eficácia da gestão e da melhoria da qualidade das políticas públicas. Oferecemos aos líderes instrumentos práticos para ajudá-los a mobilizar e engajar a sociedade em mudanças eficazes, com ética e responsabilidade.

A suspensão da descrença


É cada vez mais comum ouvir as pessoas negando a política. Qualquer um que fale dela só é admitido nos círculos de conversa se for para falar mal. Por outro lado, qualquer um que se disponha a participar da política é imediatamente taxado de oportunista e candidato à locupletação. É um círculo fechado cuja senha de entrada é: a política não presta.

O argumento tem muitas razões para existir. O principal é o de que a maioria dos políticos não presta. As instituições parecem cupinzeiros: grandes estruturas completamente carcomidas por dentro. No entanto, há um problema claro nessa elaboração: os políticos não são a política. A política é a forma de representação constituída para viabilizar a convivência (e a existência) da vida coletiva. Afinal, como poderiam as pessoas viver em um espaço público sem que alguém organizasse as atividades de funcionamento desse espaço? Há muito tempo, Thomas Hobbes fez uma sugestão: entregamos toda a nossa liberdade e deixamos a um só governante a tarefa total de tomar essas decisões. Sim, parece ser uma saída. A outra é a política.

Vivemos em uma coletividade mas, é claro, não pensamos da mesma maneira. Nossa individualidade, constantemente, busca deixar marcas nesse espaço coletivo. Não concordamos com uma coisa, temos uma ideia sobre outra coisa, achamos mais ou menos justo um arranjo, queremos a construção de algo, defendemos a destruição de outro algo, a ampliação, a liberação, a distribuição, a restrição, enfim, a lista de quereres é enorme. Mas existem os outros que, muitas vezes, querem coisas opostas às que defendemos. Por isso, é preciso construir maiorias para impor ou consensos para ceder. E ainda é preciso escolher quem elabore as regras do funcionamento dessas coisas todas. E ainda escolher quem execute toda essa lista de coisas. E, quando o consenso demora, é preciso que exista quem decida o que fazer para que a paralisia não prejudique a todos. E é preciso fiscalizar os escolhidos. E substitui-los periodicamente. Um trabalho dos diabos! E quem deve fazer tudo isso? Só há uma resposta: nós. Ou então tem aquela  proposta do Hobbes. Para muitos, ela parece tentadora. O duro é que ninguém garante que o tal governante todo poderoso vai fazer o melhor. Ou fazer algo. E se ele decidir sempre contra o que você pensa e você não tem mais a liberdade de poder mudar? Por isso, a política não deveria ser pensada como uma saída, mas como uma entrada. Para viver coletivamente é preciso entrar no jogo, arregaçar as mangas, por as mãos à obra. Fora disso é o Leviatã, o Estado como um monstro sem ouvidos para as vontades e para as diferenças.

A política tem uma exigência: conhecer as regras do jogo. Como o xadrez, há as peças e o tabuleiro. Mas não haverá jogo sem conhecer as suas regras. Sim, você pode mover as peças ou até batucar no tabuleiro. Você só não jogará xadrez. Conhecer as regras é um ato de vontade que pressupõe um querer jogar. Se nego a política, não jogo. Se não jogo, não sei quem ganha ou como ganha. No entanto, diferente do xadrez, na política o prêmio de quem ganha é poder jogar com a sua vida, com as suas propriedades, com o seu trabalho, com a sua saúde, com a sua educação, com a sua segurança. E como vou reclamar? Negando as regras que não quis conhecer e os representantes que não me importei em escolher?

A política pressupõe uma suspensão da descrença. Se continuarmos negando, aqueles que se locupletam continuarão a compor as maiorias e elaborar os arranjos. O cupinzeiro em ação, cada vez maior e mais carcomido. Se acreditarmos na política, podemos reescrever esses arranjos e retomar a trajetória de uma sociedade capaz de pensar em sua sobrevivência e seu bem estar, jogando o jogo das diferenças com regras claras e chances reais para todos. Duro de acreditar? Não vai embarcar nessa? Bom, a saída está logo ali, em lugar nenhum.





Daniel Medeiros - doutor em Educação Histórica pela UFPR e professor de História no Curso Positivo, de Curitiba (PR).



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