Ø Estudos
realizados no País destacam que 15% das crianças e adolescentes brasileiros
possuem algum tipo de transtorno mental, como o autismo, e apenas 20% destes
têm acesso a profissionais de saúde capacitados
Ø Especialistas
reunidos no Fórum Self Azul, promovido esta semana em São Paulo, destacam que
diagnóstico e intervenção precoces são fundamentais para reduzir os impactos do
transtorno do espectro autista ao longo da vida e no convívio familiar
Realizado esta semana em São Paulo, o Fórum
Self Azul, que reuniu alguns dos principais especialistas em autismo do
País e do Exterior, trouxe à tona um dado preocupante: 15% das crianças e
adolescentes do Brasil possuem algum tipo de transtorno mental, sendo que, a
cada mil nascimentos, são registrados quatro casos de Transtorno do Espectro
Autista (TEA). E mais: apenas 20% das crianças diagnosticadas com algum
transtorno mental têm acesso a tratamentos com profissionais especializados.
“Há uma carência enorme de psiquiatras no
País, principalmente com conhecimentos específicos em transtornos da infância e
adolescência. Hoje, são apenas 500 profissionais com esta especialização
atuando no Brasil”, alerta o médico Jair Mari, psiquiatra e coordenador do
Programa de Pós-Graduação do Departamento de Psiquiatria da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp). Ele destaca que, apesar do Brasil figurar na
13% colocação do ranking mundial de produção científica, respondendo por 2,7%
das pesquisas na área de psiquiatria, há um descompasso entre o que a academia
conquistou e as políticas de saúde pública.
Médico psiquiatra e presidente do Centro
Pró-Autista (CPA) - entidade beneficente com parcerias internacionais e atuação
nas áreas de assistência, ensino e pesquisa -, Wanderley Domingues, chama atenção
para o fato das secretárias de saúde, ao invés de ampliarem as redes
conveniadas, estão cortando os convênios estabelecidos com instituições
especializadas no tratamento do autismo. “Serviços como o SUS não são
suficientes e não têm qualificação para atender os pacientes portadores desse
transtorno. É de extrema importância que se faça uma pressão social para que os
órgãos públicos entendam este problema e deem continuidade aos convênios”.
Estima-se que atualmente no País haja mais de
2 milhões indivíduos portadores de autismo. Trata-se de um transtorno
multifacetado e multifatorial, considerado o mais grave que atinge as crianças.
Em 85% dos casos vem acompanhado de outras condições clínicas, como transtornos
do sono e de ansiedade, déficit de atenção, entre outros.
“Quanto mais precoce for o diagnóstico e a
intervenção, mais chances a criança tem de melhoras significativas na interação
social, na linguagem e na capacidade cognitiva”, explica Domingues,
acrescentando que a janela de 2 a 7 anos de idade é uma das faixas etárias mais
importantes, pois é quando se desenvolvem o comportamento e a linguagem. “O
autismo não é uma sentença”, reforça o especialista.
O psiquiatra Jair Mari acrescenta que o
autismo, que é um transtorno do neurodesenvolvimento, possui um espectro de
inteligência que varia desde a deficiência cognitiva até a super inteligência.
“A Escola de Ciência Avançada para Prevenção de Distúrbios Mentais da FAPESP
está desenvolvendo um programa específico para treinar pediatras para o diagnóstico
e tratamento do autismo. Além disso, foi firmado um consórcio entre
universidades para a realização do primeiro ensaio clínico do mundo relativo ao
treinamento de pais para aquisição de habilidades sociais para interagir com
filhos autistas. O objetivo deste estudo é produzir um vídeo que será fornecido
em larga escala em todo o País”.
Como tratar o autismo
Coordenadora geral do CPA, a psicóloga Maria
Clara Nassif, que acaba de lançar o livro “Livro: Neuropsicologia e
Subjetividade”, enfatiza que está mais do que na hora de se abrir um campo
definitivo para a causa do autismo no Brasil. “É fundamental que haja
profissionais preparados para diagnosticar bebês de risco e fazer uma
intervenção apropriada, evitando impactos dos transtornos ao longo da vida e no
convívio familiar”.
Ela é uma das responsáveis pela aplicação no
Brasil de um método de tratamento inovador do autismo, o Programa Abrangente
Neurodesenvolvimental (PAN), que prevê diagnóstico e intervenção precoce,
passando por todas as etapas de desenvolvimento até a idade adulta. Para isso,
foi desenvolvido um protocolo de atendimento modulado de acordo com a
complexidade de cada etapa de desenvolvimento.
Por se tratar de um transtorno originado a
partir de alterações neurobiológicas, o autismo desencadeia uma desconexão
cerebral. Por isso, o portador desse transtorno tem dificuldades de filtrar de
uma vez os vários estímulos que recebe do ambiente. “Já é possível, por meio de
exames como o eye tracking, diagnosticar o autismo em bebês por meio da
orientação visual social atípica, ou seja, o bebê tem dificuldade de fixar a
visão nos olhos de outra pessoa. A hipofunção característica do autismo na
região do cérebro conhecida como ‘cérebro social’ também já pode ser detectada
em exames de ressonância e PET”, conta Maria Clara.
Composto pelo tripé “Bio”, “Psico” e
“Social”, o protocolo PAN adotado pelo CPA contempla programas de estruturação
neurodesenvolvimental que levam em conta a idade e o estágio do paciente. As
intervenções englobam terapias de troca e desenvolvimento individuais e em
grupo, programas de habilidades sociais e até mesmo de inserção profissional.
Em função das alterações neurofisiológicas na condução dos estímulos cerebrais,
também é necessário o ajuste através de medicação, para proporcionar mais
estabilidade para as crianças. “A estimulação do ambiente tem fundamental
importância, já que pode modificar e ampliar as estruturas cognitivas”, frisa a
especialista.
Mestre e pesquisadora da Université Paris
Descartes na área de autismo e doenças com impacto neurocognitivo, a psicóloga
francesa Marie-Hélène Plumet esteve no Brasil pela primeira vez para participar
do Fórum Self Azul sobre autismo. Ela explicou que o cérebro do ser humano
também se desenvolve em função das experiências, e que comunicar é uma das
atividades mais complexas, por exigir ações sequenciais e sincronizadas. “Antes
mesmo de ter a linguagem, o bebê típico, ou seja, que não possui o transtorno
do espectro autista, já faz tudo isso”, acrescenta.
A psicóloga francesa destaca que, em função
de ser alto o risco de casais que têm um filho autista terem um segundo filho
com o mesmo transtorno, vem sendo amplamente difundida a importância de se
fazer o diagnóstico e intervenção já na fase neonatal. Até os 8 meses de idade,
o bebê típico passa a conseguir distinguir os rostos humanos, entender
movimentos gestuais e, a partir dos 9 meses, começa a interagir com o mundo e a
compreender o outro. Já nos bebês autistas, essas competências são
comprometidas, já que o processamento cerebral é pouco integrativo.
“Em crianças normais, partes diferentes do
cérebro são ativadas ao olhar pessoas e objetos. Já nas crianças autistas, a
mesma região cerebral é ativada e há uma alternância entre hipo e hiper-reações
sensoriais. Daí a dificuldade de distinguirem emoções e sons”, detalha Marie.
Sobre a Iniciativa Self Azul
Promovida pela Guardian, uma das maiores
fabricantes de vidros e espelhos do mundo, juntamente com o Centro Pró-Autista
(CPA), a iniciativa Self Azul foi criada com o objetivo de discutir, conscientizar e sensibilizar empresas, sociedade civil e órgãos
governamentais sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), cujo diagnóstico
ainda é difícil e demorado porque muitas famílias, e inclusive profissionais de
saúde, desconhecem os sintomas.
Lançado durante a Virada da Saúde, que
acontece em São Paulo até o dia 12 de abril, o Self Azul engloba ações que
incluem uma instalação artística composta por esculturas de espelho, assinada
pelo artista plástico Eduardo Srur, e a realização, no dia 9 de abril, de um
fórum na sede da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo),
entidade que também é apoiadora da iniciativa. O evento contou com a
participação de mais de 300 pessoas de diversas partes do País.
Composta por seis esculturas de espelho, a
obra de Srur está em exposição no vão livre da FIESP e nas estações de Metrô
Paraíso e Trianon-Masp. Na FIESP, duas peças foram instaladas em uma espécie de
uma sala de espelhos, um convite aos transeuntes da Avenida Paulista para
compartilharem uma experiência estética e de conhecimento sobre o complexo
universo do autista.
Sobre o Centro Pró-Autista
Fundado em 4 de abril de 2000, o Centro
Pró-Autista atende pacientes de todo o Brasil, juntamente suas respectivas
famílias, prestando serviço de diagnóstico e indicações terapêuticas para cada
perfil de paciente com autismo. Realiza ainda tratamento terapêutico
multidisciplinar em seu ambulatório, no centro de atenção diária e nas
oficinas, utilizando técnicas de trabalho de padrão internacional.
Sobre a Guardian
Fundada em 1932 em no estado de Michigan
(EUA), a Guardian é uma das maiores fabricantes de vidros e espelhos do mundo.
A companhia está presente em mais de 25 países, entre eles o Brasil, onde
mantém duas fábricas, uma em Tatuí (SP) e outra em Porto Real (RJ), e possui um
Centro de Distribuição em Fortaleza (CE).