Conforme dados disponibilizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de novas ações judiciais contra os planos de saúde, de janeiro a maio de 2025, chegou a 126,1 mil casos — o que representa um aumento de 6,8% em relação ao mesmo período do ano passado.
A Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS), por sua vez, divulgou dados recentes demonstrando que
62,4% das despesas judiciais suportadas pelos planos de saúde decorrem do não
cumprimento de procedimentos já previstos em contrato. Isso evidencia o
descumprimento sistemático das obrigações assumidas.
Por outro lado, a ANS
também destacou que os planos de saúde dobraram o lucro no primeiro trimestre
de 2025, atingindo R$ 7,1 bilhões — alta de 114% em comparação com o mesmo
período do ano anterior. Tal fato revela a força dos players do setor e
a robustez incontestável de seus resultados operacionais.
Vivemos um momento
preocupante, marcado pelo descumprimento reiterado de decisões judiciais por
parte dos planos de saúde, que preferem assumir o risco de penalizações — por
vezes irrisórias — e, o que é pior, tratam eventuais multas como meras despesas
operacionais. Em grande parte dos casos, as sanções aplicadas são menores que o
custo de cumprimento das obrigações contratuais.
Nesse cenário de
incertezas, há um posicionamento do Poder Judiciário que deve ser visto com
bons olhos: as cortes têm decidido que beneficiários de planos de saúde não
precisam reembolsar as operadoras por tratamentos garantidos por decisões
liminares, mesmo que estas sejam posteriormente revogadas.
Em decisão da 2ª Turma
do Supremo Tribunal Federal (ARE 1319935), o Acórdão destaca que a natureza
essencial e imprescindível do tratamento, comprovada por laudo médico, assegura
o direito à vida. Além disso, o recebimento, de boa-fé, dos produtos e serviços
de saúde, afasta a obrigação de restituir os respectivos valores.
A 3ª Turma do Superior Tribunal
de Justiça, no REsp 2162984, também decidiu que o plano de saúde não tem
direito ao ressarcimento, uma vez que deve prevalecer a boa-fé e a confiança
legítima do beneficiário na cobertura dos medicamentos prescritos para o
tratamento.
A título ilustrativo,
pode-se considerar que estas decisões seguem a mesma lógica do princípio da
irrepetibilidade dos alimentos, no direito de família: os valores pagos como
pensão alimentícia não podem ser devolvidos ao pagador, mesmo que haja revisão
ou extinção da obrigação alimentar. Tal regra evita que o alimentado seja
prejudicado por mudanças supervenientes em decisões judiciais.
Albert Camus, na célebre
obra “O Mito de Sísifo”, compara o castigo imposto ao personagem
mitológico — carregar eternamente uma pedra até o topo da colina, apenas para
vê-la rolar de volta — à condição humana na vida moderna. Trata-se de uma
representação da luta diária diante das responsabilidades repetitivas, das
metas inalcançáveis e do sentimento de vazio existencial.
De modo semelhante,
muitos consumidores se sentem condenados a um suplício quando precisam recorrer
à Justiça para garantir tratamentos de saúde e, mesmo após uma decisão
favorável, vivem sob uma ameaça constante de revogação.
Infelizmente, essas
decisões favoráveis ao consumidor ainda não possuem efeito vinculante, o que
significa que os tribunais não estão obrigados a segui-las. Na prática,
portanto, o risco de o consumidor ser surpreendido por uma cobrança permanece
latente. O que se espera é que o Judiciário avance para consolidar um
entendimento definitivo — que não apenas garanta segurança jurídica, mas também
impeça que os mais vulneráveis continuem carregando a pedra de Sísifo.
Fonte: Stéfano Ribeiro Ferri - fundador do Stéfano Ferri Advocacia, especialista em direito do consumidor e saúde, assessor da 6ª Turma do Tribunal de Ética da OAB/SP e membro da Comissão de Direito Civil da OAB – Campinas
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