Eles casaram, criaram filhos, trabalharam duro e ainda assim sentiam que algo não se encaixava. Muitos pais autistas viveram décadas lidando com dificuldades sociais, rotinas rígidas e sobrecarga sensorial sem nunca terem colocado nome no que sentiam. Até que, já adultos, chegam ao consultório e finalmente se veem: estão no espectro autista.
“Precisamos olhar para a paternidade com mais empatia e menos padrões. Nem todo
pai vai expressar afeto da mesma forma, e isso não significa amar menos”,
explica o neurologista Dr. Matheus Trilico, referência no diagnóstico de
autismo em adultos.
Com o aumento dos diagnósticos tardios de TEA (Transtorno do Espectro Autista),
milhares de homens estão ressignificando suas histórias. Muitos descobrem que o
jeito peculiar de demonstrar amor mais silencioso, mais analítico, mais
reservado não é falha, é apenas diferente. E tudo bem.
No Mês dos Pais, esse olhar mais inclusivo é um convite: que tal reconhecermos
esses pais como eles são inteiros, únicos e, sim, profundamente amorosos?
O Despertar Através dos Filhos
Muitos desses homens só desconfiam da possibilidade de estarem no espectro após
o diagnóstico de um filho. "É comum que, ao acompanharem a avaliação do
filho, comecem a se identificar com os traços apresentados e iniciem uma
jornada de autoconhecimento que, muitas vezes, traz alívio", explica Dr.
Trilico.
Pesquisas sugerem que uma parcela significativa de pais diagnosticados com TEA
na idade adulta relataram uma transformação profunda em sua compreensão sobre
paternidade. "Finalmente entendi por que sempre me senti diferente, por
que as interações sociais eram tão desafiadoras" – este é um relato comum
entre esses pais.
Segundo Dr. Trilico, essa descoberta tardia é especialmente significativa.
"Muitos homens recebem o diagnóstico de TEA apenas quando seus filhos são
avaliados. É um momento de dupla transformação: compreender o filho e
compreender a si mesmo. Imagine a revolução interna que isso representa",
explica o médico.
Desafios Únicos da Paternidade Autista
O diagnóstico em adultos não é simples. Envolve escuta atenta, análise da
história de vida, observação clínica e, sobretudo, empatia. E quando esse homem
é pai, surgem novos desafios: a sobrecarga sensorial da rotina com crianças, as
demandas emocionais intensas da paternidade, a culpa por não conseguir se
comunicar da forma esperada, o medo de ser julgado ou de "falhar como
pai".
"A alexitimia, dificuldade em identificar e expressar emoções, afeta uma
parcela considerável dos adultos com TEA. Isso pode criar barreiras na
comunicação emocional entre pai e filho, mas longe de ser uma limitação
insuperável, representa apenas uma forma diferente de vivenciar a paternidade”,
destaca Dr. Trilico.
Estudos científicos documentam que pais autistas frequentemente enfrentam
dificuldades específicas: interpretação de sinais sociais sutis dos filhos,
comunicação emocional complexa e situações sociais imprevisíveis. "Mas é
fundamental compreender que essas dificuldades não diminuem o amor ou o comprometimento
paterno. Pelo contrário, muitas vezes intensificam a busca por formas
alternativas de conexão", enfatiza Dr. Trilico.
Forças Ocultas da Paternidade Neurodivergente
O que precisamos entender é que o pai autista não é menos afetivo ou menos presente.
Ele sente profundamente, apenas expressa de outra forma. Quando há apoio,
acolhimento e, principalmente, informação, esse pai floresce em sua melhor
versão.
Pesquisas emergentes revelam características notáveis em pais com TEA. Estudos
longitudinais indicam que filhos de pais autistas frequentemente apresentam
desenvolvimento positivo em áreas como organização pessoal, cumprimento de
rotinas e habilidades acadêmicas específicas.
"Pais autistas tendem a criar rotinas muito organizadas para seus filhos,
estabelecem regras claras e são extremamente consistentes em suas abordagens
educativas. A mente autista paterna oferece uma estrutura que muitas crianças,
especialmente as neurodivergentes, encontram reconfortante e previsível. É como
um porto seguro em meio ao caos do mundo”, observa Dr. Trilico.
A capacidade de foco intenso permite que dediquem atenção profunda aos
interesses de seus filhos. "Pais autistas frequentemente se tornam
especialistas nos temas que fascinam seus filhos, criando conexões profundas
através de interesses compartilhados. Quantos pais se tornaram experts em
dinossauros, trens ou astronomia só para se conectar com seus pequenos?",
complementa Dr. Trilico com um sorriso.
Uma Linguagem Própria do Amor
Dr. Tony Attwood, renomado pesquisador australiano, documentou em seus estudos
que pais autistas frequentemente desenvolvem sistemas únicos de comunicação com
seus filhos. "Eles podem não expressar afeto da forma tradicional, mas
criam linguagens próprias de carinho – seja através de atividades
compartilhadas, interesses especiais ou formas não-verbais de demonstrar
amor", detalha Dr. Trilico.
A honestidade direta, característica comum no TEA, resulta em comunicação clara
e sem ambiguidades. "Crianças de pais autistas frequentemente relatam
sentir-se seguras porque sabem exatamente o que esperar – não há mensagens
confusas ou duplos sentidos. Existe uma transparência emocional que pode ser
muito reconfortante", destaca Dr. Trilico.
O Papel da Família e Sociedade
Para Dr. Trilico, nesse contexto, o papel da família e da sociedade é
fundamental: dar espaço para que esses homens sejam pais do seu jeito,
respeitando suas necessidades e limites. A literatura científica indica que
pais autistas que recebem orientação específica apresentam redução
significativa no estresse parental e melhoria na qualidade da relação familiar.
"O suporte não deve focar em 'corrigir' o pai autista, mas em
potencializar suas forças naturais e desenvolver estratégias para os desafios
específicos. Grupos de apoio para pais neurodivergentes têm se mostrado
especialmente eficazes. É emocionante ver como esses homens florescem quando
encontram outros que compartilham experiências similares", enfatiza Dr.
Trilico.
A clínica também tem um papel vital, oferecendo suporte emocional, orientação
e, em muitos casos, terapias que ajudam a lidar com as dificuldades de
comunicação e regulação emocional. "Estamos caminhando para uma era onde a
neurodiversidade paterna será vista como uma variação natural e valiosa, não
como uma deficiência a ser corrigida", projeta o neurologista.
Libertação Através do Autoconhecimento
Receber o diagnóstico pode ser profundamente libertador. "Muitos pais
finalmente compreendem por que certas situações sociais ou emocionais da
paternidade eram tão desafiadoras. Isso permite desenvolver estratégias mais
eficazes e, principalmente, mais autênticas", explica Dr. Matheus.
Estudos qualitativos indicam que a maioria dos pais recém-diagnosticados
relatam melhoria significativa na qualidade da relação com os filhos após o
diagnóstico. "A autocompreensão permite que sejam pais mais autênticos e
eficazes. É como se finalmente pudessem parar de fingir ser alguém que não
são", destaca Dr. Trilico.
Celebrando a Diversidade Paterna
No Mês dos Pais, fica o convite à reflexão: nem todo pai vai dizer "eu te
amo" do jeito esperado. Mas talvez ele diga construindo rotinas
carinhosas, mantendo a ordem familiar, explicando o mundo com profundidade
infinita ou fazendo o mesmo café especial todas as manhãs.
"Cada pai autista é único, assim como cada pai neurotípico. O que importa
não é como o cérebro funciona, mas como o coração ama. A paternidade autista
existe e merece ser compreendida, acolhida e celebrada. Esses pais não são
menos pais – são pais de uma forma diferente, e isso é lindo”, conclui Dr.
Trilico
Neste mês dos pais, a sociedade é convidada a ampliar sua compreensão sobre as
múltiplas formas de ser pai, reconhecendo que o amor paterno se manifesta de
maneiras diversas, todas igualmente válidas e preciosas. Porque no final das
contas, ser pai é sobre amor, presença, cuidado e isso não tem apenas uma forma
de existir.
Dr. Matheus Trilico - Dr. Matheus Luis Castelan Trilico - CRM 35805PR, RQE 24818. •Médico pela Faculdade Estadual de Medicina de Marília (FAMEMA); •Neurologista com residência médica pelo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR); •Mestre em Medicina Interna e Ciências da Saúde pelo HC-UFPR; •Pós-graduação em Transtorno do Espectro Autista
Mais artigos sobre TEA e TDAH em adultos podem ser vistos no portal do neurologista: https://blog.matheustriliconeurologia.com.br/
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