Inadimplência caiu, muito em razão de renegociações de dívidas ou postergação de consumo; mas sistema pressionado revela horizonte arriscado para o País com possível desaceleração da economia
Famílias e empresas brasileiras pagaram, juntas, cerca de R$ 1,148 trilhão
em juros ao longo de 2024. É o que mostra estudo da Federação do
Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). O
número representa um aumento de 17% em relação ao total de juros pagos em 2023,
quando esse valor foi de R$ 981 bilhões.
O grosso desse montante saiu do orçamento de famílias (R$ 859,9 bilhões),
enquanto as empresas destinaram R$ 287,9 bilhões para esse fim.
Esses dados indicam que o mercado de crédito segue sendo a sustentação da
demanda agregada, com crescimento de concessões e queda relevante na
taxa de inadimplência.
A retração do volume de inadimplentes3, em conjuntura de juros alto, é positiva
e provavelmente motivada pelo mercado de trabalho aquecido. Entretanto, há um
aumento no comprometimento da renda dos lares e do caixa de negócios com
dívidas. Além disso, a renda brasileira fica cada vez mais concentrada no
setor financeiro, o que é mais perverso, considerando que os rendimentos reais
não crescem nessa mesma dimensão, criando um horizonte arriscado para a
sustentabilidade do consumo e dos investimentos.
JUROS MAIS ALTOS, RENDA... NEM TANTO
Os cálculos da FecomercioSP mostram que o volume de juros pagos pelos lares
brasileiros, no ano passado, subiu 20,5% em comparação com o ano anterior, passando
de R$ 713,9 bilhões para R$ 859,9 bilhões. Nesse mesmo período, a massa de
renda anual das famílias avançou apenas 3,2%, ao passar de R$ 7,838 trilhões,
em 2023, para R$ 8,091 trilhões, em 2024 [tabela 1].
A consequência é que orçamentos domésticos têm ficado mais comprometidos com
pagamentos de juros: em 2024, um décimo da renda familiar nacional (10,63%)
estava destinado a custos dessa espécie. Para a economia, é um dado
negativo, porque tira recursos do consumo ou até de investimentos, como a
poupança. Em 2023, essa taxa estava em 9,11%.
[TABELA 1]
PAGAMENTOS
DE JUROS — FAMÍLIAS (2024)
Fontes: Banco Central/ IBGE/ FecomercioSP
A queda da inadimplência ao longo dos últimos três anos, saindo de 5,9%,
em 2022, para 5,26%, em 2024, diz menos sobre a saúde do orçamento doméstico
médio e mais sobre mecanismos do próprio sistema, que vão da rotatividade do
crédito à renegociação das dívidas — ou, ainda, de decisões cotidianas, como a
postergação de decisões de consumo.
[TABELA 2]
VOLUME DE CRÉDITO — FAMÍLIAS (2024)
Fontes: Banco Central/ IBGE/ FecomercioSP
Os dados
da pesquisa apontam ainda que houve uma elevação de 2,4% na taxa de
juros média mensal paga pelas famílias brasileiras, marcando 3,58% em 2024 [tabela
2]. O aumento foi até pequeno se comparado com o registrado entre 2022 e
2023 (17%).
Mesmo nesse cenário de alta nas taxas de juros, o saldo das operações de
crédito avançou 7,4% no ano passado, alcançando R$ 2,22 trilhões. Isso aponta
que a forte alta do consumo nos últimos anos foi financiada por meio do
sistema de crédito.
JUROS ATRAPALHAM INVESTIMENTOS
Da mesma forma que as famílias, o volume de juros pagos pelas empresas do País
também cresceu de forma vertiginosa em 2024: 7,8% em relação a 2023,
atingindo R$ 287,9 bilhões. Essa expansão ocorreu sobre uma forte base de
comparação, já que o montante de juros pagos havia avançado 21,9% no ano
anterior em comparação com 2022 [tabela 3]. O saldo de inadimplência
caiu 16,3%, ao passar de R$ 49,2 bilhões, em 2023, para R$ 41,2 bilhões, em
2024 — e, com isso, a taxa de inadimplência recuou de 3,13% para 2,51% no mesmo
período.
São informações como essas que reforçam análises recentes de como o custo
financeiro ainda é um dos principais entraves à retomada de investimentos
privados, assim como a elevada carga tributária nacional. O peso dos juros
é ainda maior para as Pequenas e Médias Empresas (PMEs).
[TABELA 3]
PAGAMENTOS DE JUROS – EMPRESAS (2024)
Fontes:
Banco Central/ IBGE/ FecomercioSP
A taxa de juros média mensal permaneceu estável (1,61%), enquanto o saldo de
crédito com recursos livres cresceu 4,4% em 2024, chegando a R$ 1,64 trilhão.
PRESSÃO SOBRE A POLÍTICA FISCAL
Os dados do estudo da FecomercioSP revelam a importância de as políticas fiscal
e monetária estarem alinhadas para que a meta de inflação seja atingida, bem
como para que o Banco Central (BC) possa reduzir a taxa básica de juros, a
Selic.
Se não houver um ajuste fiscal, o País terá de conviver por um bom tempo com
juros reais de 7% a 8%, inibindo consumo e investimentos.
[TABELA 4]
PAGAMENTOS DE JUROS — FAMÍLIAS E EMPRESAS (2024)
Fontes: Banco Central/ IBGE/ FecomercioSP
Essa dinâmica é perversa, considerando que esse total de juros pagos pelas empresas e pelas famílias representou 9,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do País em 2024 (R$ 11,7 trilhões, de acordo com o IBGE). Segundo a FecomercioSP, mais do que isso, são números que mostram um sistema em alta pressão. A desaceleração da atividade econômica, como apontam as perspectivas para este segundo semestre, pode marcar um novo ciclo de inadimplência em alta.
FecomercioSP
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