Pesquisa conduzida no Centro de Pesquisa em
Oncologia Molecular do Hospital de Amor, em Barretos (SP), desenvolve
ferramenta de precisão que antecipa falha no tratamento imunoterápico, com
potencial para personalizar terapias e reduzir custos do sistema de saúde
Entre os diferentes tipos de imunoterapia, o bloqueio da proteína PD-1
se tornou a abordagem padrão para casos avançados de melanoma. No entanto,
entre 40% e 60% dos pacientes não respondem bem a essa abordagem e o
tratamento pode custar entre R$ 30 mil e R$ 40 mil por mês
(imagem: Freepik)
Pesquisadores brasileiros deram um importante passo
rumo à medicina de precisão ao identificar quatro genes capazes de predizer
quais pacientes com melanoma não vão responder à imunoterapia. Esse tipo de
tratamento revolucionou o combate ao melanoma, o câncer de pele mais agressivo
e letal, mas ainda apresenta eficácia variável e um custo elevado que limita
seu uso, especialmente no Sistema Único de Saúde (SUS). A partir desse achado,
a ideia é criar maneiras de identificar pacientes elegíveis ao tratamento e,
dessa forma, reduzir os custos na rede pública.
O melanoma representa cerca de 4% dos tumores de
pele, mas é o mais perigoso por causa de sua alta capacidade de se espalhar
para outros órgãos. No Brasil, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca),
são registrados cerca de 9 mil casos e quase 2 mil mortes por ano em
decorrência da doença. Já se sabe há algum tempo que o melanoma é altamente
imunogênico, ou seja, responde bem à imunoterapia – um tratamento que estimula
o sistema imunológico a reconhecer e atacar as células cancerígenas.
Entre os diferentes tipos de imunoterapia, o
bloqueio da proteína PD-1 se tornou o tratamento padrão para casos avançados de
melanoma. No entanto, entre 40% e 60% dos pacientes não respondem bem a essa
abordagem e ainda podem sofrer efeitos colaterais relevantes. Isso traz
desafios clínicos e econômicos, principalmente em países como o Brasil, onde o
acesso à imunoterapia no SUS é restrito. Embora a Comissão Nacional de
Incorporação de Tecnologias (Conitec) já tenha recomendado sua inclusão na rede
pública, o alto custo ainda impede a adoção rotineira do tratamento.
Marcadores genéticos
Foi diante desse cenário que a engenheira
biotecnológica Bruna Pereira Sorroche decidiu
investigar se seria possível identificar marcadores genéticos que indicassem
previamente a eficácia da imunoterapia em indivíduos com melanoma. O estudo,
financiado pela FAPESP por meio de dois projetos (19/07111-9 e 19/03570-9), foi conduzido no
Centro de Pesquisa em Oncologia Molecular do Hospital de Amor (antigo
Hospital de Câncer de Barretos), com orientação da professora Lídia Maria Rebolho Batista
Arantes. Os resultados foram publicados no Journal
of Molecular Medicine.
A pesquisa analisou amostras de tumor de 35
pacientes com melanoma avançado tratados com imunoterapia anti-PD-1 entre 2016
e 2021 no Hospital de Amor. A cientista cruzou essas amostras com dados de um
painel de 579 genes relacionados ao sistema imunológico. Com isso, identificou
quatro genes – CD24, NFIL3, FN1 e KLRK1 –
cuja expressão aumentada se mostrou fortemente associada à resistência ao
tratamento.
Segundo o estudo, pacientes com alta expressão
desses genes apresentavam um risco 230 vezes maior de não responder à
imunoterapia em comparação com os que tinham baixa expressão. Além disso, a
sobrevida global também foi menor nesses casos: após cinco anos, 48,1% dos
pacientes com baixa expressão dos genes ainda estavam vivos, contra apenas 5,9%
entre os com alta expressão.
A análise aprofundada mostrou que esses genes estão
ligados a mecanismos de evasão do sistema imune e supressão da resposta
inflamatória. Por exemplo, o gene CD24 atua como um “ponto de
checagem” (checkpoint) imunológico, ajudando o tumor a escapar da ação
do sistema de defesa do corpo. O FN1 está relacionado à
progressão tumoral e à formação de estruturas que favorecem o crescimento do
câncer. Já o KLRK1, normalmente envolvido na ativação de células
imunes, pode ter sua função comprometida quando desregulado, enfraquecendo a
resposta do organismo contra o tumor. O gene NFIL3 também tem
papel relevante na resposta imunológica, podendo contribuir para o escape
tumoral.
“O aumento da expressão desses quatro genes está
relacionado a mecanismos já conhecidos de desenvolvimento de tumores e escape
imunológico – ou seja, formas pelas quais o câncer consegue ‘se esconder’ do
sistema de defesa do corpo. Isso explicaria por que alguns pacientes não se
beneficiam da imunoterapia, mesmo quando o tratamento é tecnicamente indicado”,
diz Sorroche.
Validação das descobertas
Para validar os achados, a equipe comparou os
resultados com dados de duas coortes internacionais independentes. A assinatura
genética se manteve eficaz na previsão da resposta ao tratamento e dos
desfechos clínicos, mesmo com variações esperadas entre os grupos analisados.
Um dos diferenciais do estudo foi o uso da tecnologia NanoString, uma
plataforma de análise genética mais acessível e custo-efetiva que o
sequenciamento tradicional de RNA, o que facilita sua aplicação na prática
clínica, inclusive em hospitais com menos recursos.
Outro aspecto promissor é que essa assinatura
genética também se mostrou preditiva em pacientes diagnosticados ainda nas
fases iniciais da doença. Isso indica que o perfil genético do tumor pode ser
útil desde o início do tratamento para orientar decisões terapêuticas de forma
mais eficaz.
A equipe está em fase de patenteamento da
tecnologia. A ideia é criar um painel utilizando estes e outros genes como uma
ferramenta comercial que permita avaliar, antes da indicação do tratamento, se
o paciente tem ou não chances reais de se beneficiar da imunoterapia. “Isso
pode ajudar médicos e gestores de saúde a decidir sobre o melhor caminho
terapêutico, evitando gastos desnecessários com um tratamento que pode custar
entre R$ 30 mil e R$ 40 mil por mês, valor impraticável para a maioria dos
pacientes e também para o SUS, principalmente se o tratamento durar anos”,
comenta Arantes, orientadora do estudo.
Apesar de a pesquisa ter sido realizada com um
número reduzido de pacientes e dados retrospectivos, Sorroche e Arantes
acreditam que os achados abrem um caminho promissor para personalizar o
tratamento do melanoma. Isso pode poupar pacientes dos efeitos colaterais de
terapias ineficazes e ajudar a direcionar os recursos públicos com mais
eficiência. “Nosso achado é inédito porque a pesquisa foi feita com base no
perfil genético da população atendida pelo SUS, o que garante uma maior
aderência às realidades da saúde pública no Brasil”, afirma Arantes.
O próximo passo é ampliar os estudos com um número
maior de pacientes para validar os resultados e definir um valor de corte – ou
seja, um nível mínimo de expressão dos genes acima do qual a resposta ao
tratamento se tornaria improvável. Esse painel poderá então ser usado como uma
ferramenta de predição para que médicos consigam decidir, de forma mais
informada, qual abordagem terapêutica oferecer a cada paciente. A iniciativa
pode representar um divisor de águas para a oncologia personalizada no Brasil.
O artigo CD24, NFIL3, FN1, and KLRK1
signature predicts melanoma immunotherapy response and survival pode
ser acessado em: https://link.springer.com/article/10.1007/s00109-025-02550-z.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/identificados-genes-que-podem-prever-resposta-de-pacientes-com-melanoma-a-imunoterapia/55428
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