O uso de medicamentos à base de semaglutida — como
Ozempic e Wegovy — migrou rapidamente do tratamento do diabetes tipo 2 para a
busca estética por emagrecimento. Segundo estimativas da empresa de pesquisas
Trilliant Health, cerca de 16 milhões de adultos nos Estados Unidos já fazem
uso dessas drogas. No Brasil, a demanda é tão grande e incompatível com o
salário médio da população que as próprias farmácias têm dificuldades em
administrar o estoque, levando à falta do produto no mercado. Ainda assim, o
uso off-label tem se multiplicado nas redes sociais e clínicas de estética,
alimentado pela promessa de perda rápida de peso: estudos apontam uma redução
média de até 14,9% do peso corporal em cerca de 68 semanas.
Apesar da eficácia comprovada na balança, os riscos
à saúde são significativos e nem sempre transparentes para o público. Náuseas,
vômitos, diarreia e constipação estão entre os efeitos adversos mais comuns.
Contudo, também vêm sendo documentados casos de queda acentuada de cabelo,
alterações menstruais, hipersensibilidade oral, ressecamento da mucosa e perda
de paladar. Ainda mais preocupante é a perda de massa magra, que pode
representar até 25% do peso eliminado, comprometendo músculos, colágeno e
densidade óssea. Em pessoas sem acompanhamento profissional, esse desequilíbrio
pode levar à sarcopenia, osteopenia e maior propensão a lesões, especialmente
entre mulheres e idosos.
A saúde íntima feminina tem sido um dos pontos mais
negligenciados nesse debate. A perda abrupta de gordura subcutânea em regiões
como os grandes lábios da vulva e o monte de Vênus tem provocado desconforto
físico e psicológico. Com o esvaziamento dessas estruturas, muitas mulheres
relatam dor durante as relações sexuais, maior sensibilidade ao usar roupas
justas e desconforto ao pedalar ou correr. Há ainda relatos de fissuras e
traumas cutâneos pela ausência de acolchoamento natural — efeitos que, nas
redes sociais, ganharam até expressões pejorativas como “vagina de Ozempic”,
evidenciando a banalização de um problema complexo.
Na dimensão hormonal, os efeitos são
contraditórios. Alguns homens relatam aumento da libido, possivelmente
associado à melhora da resistência à insulina e à elevação de testosterona. No
entanto, muitas mulheres apontam queda na disposição sexual e alterações no
ciclo menstrual, evidenciando que o impacto da semaglutida sobre a sexualidade
humana ainda precisa ser mais estudado. Como o medicamento interfere
diretamente na saciedade e na relação com a comida, efeitos emocionais e
psicológicos também devem ser considerados.
Para garantir o uso seguro da semaglutida, é
fundamental que o tratamento esteja sempre associado a orientação médica
qualificada, reeducação alimentar, prática regular de exercícios de resistência
e suporte multiprofissional — incluindo endocrinologistas, nutricionistas,
ginecologistas e, em muitos casos, psicólogos. Apenas com esse cuidado é
possível minimizar riscos, preservar a saúde óssea, proteger a função pélvica e
garantir qualidade de vida durante e após o processo de emagrecimento.
Emagrecer é um desejo legítimo, mas não pode custar a saúde física, hormonal e sexual. O ideal de um corpo magro e performático, amplamente promovido por celebridades e influenciadores, não deve obscurecer a responsabilidade ética e médica que o uso desses medicamentos exige. Cabe à sociedade — e especialmente aos profissionais de saúde — promover informação baseada em evidências, combater a medicalização excessiva da estética e lembrar, sempre, que saúde não se mede apenas em quilos.
Daniele Rosevics - médica
ginecologista e especialista em saúde hormonal da mulher.
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