A expectativa da exploração de petróleo
na foz do Amazonas já cria uma onda migratória rumo ao Amapá que repete mazelas
de outras cidades “petrolíferas”.
A história do Brasil é marcada pelo
deslocamento de pessoas pelo país. No século 20, fugindo da seca e em busca de
oportunidades econômicas ausentes em sua região, nordestinos migraram
principalmente para o Sudeste. Também no século passado, nos anos 1960 a 1980,
a ditadura militar estimulou a ida de fazendeiros do Sul para a Amazônia,
migração marcada pela destruição da floresta para a expansão agropecuária e
pela invasão de Terras Indígenas. Sem falar nos projetos do “Brasil Grande”,
com impactos ambientais imensos, implantados pelos militares na região
amazônica, que também atraíram milhares em busca de trabalho e renda.
Não foi diferente com a exploração de
combustíveis fósseis. A descoberta da Bacia de Campos, no litoral do estado do
Rio de Janeiro, e sua promessa de grandes reservas de petróleo e gás fóssil
levou muita gente para o Norte Fluminense. Antes da descoberta do pré-sal, em
2006, Campos foi a principal província petrolífera do país, e a cidade de Macaé
acabou se transformando na “capital brasileira do petróleo”.
A promessa de “riqueza” que governos e
empresas costumam associar aos combustíveis fósseis não se concretizou para a
grande maioria das pessoas que foram para Macaé e cidades do entorno em busca
de emprego e renda. Essa característica também é histórica na indústria
petrolífera, aqui e em todo o mundo. É um setor que exige alta qualificação, e
poucos são os que ganham bem. Mesmo o fornecimento de bens e serviços tem
oportunidades limitadas. Não é para todos, nem para “qualquer um”.
Assim, Macaé tem [pouquíssimos] bairros
com casas e prédios de luxo. Mas, na maior parte deles, as ocupações
desordenadas são a marca registrada. A infraestrutura da cidade não acompanhou
a chegada de tanta gente em tão pouco tempo. Falta casa decente, falta
saneamento básico, falta oferta de transporte público.
Num momento em que o comando da
Petrobras e os ministérios de Minas e Energia e da Casa Civil aumentam a
pressão política para liberar a exploração de combustíveis fósseis no bloco
FZA-M-59, na foz do Amazonas, lembrar os graves problemas sociais que o
petróleo e o gás fóssil causaram em Macaé é fundamental. Assim como
experiências similares em Maricá,
também no Rio de Janeiro, e Santo Antônio de Lopes, Lima Campos e Rosário, no
Maranhão, tratadas pela jornalista Juliana
Aguilera, do ClimaInfo, na série “Verdades inconvenientes sobre a exploração de
petróleo no Brasil”.
Isso porque, como mostrou a reportagem de
Vinicius Sassine e Lalo de Almeida na Folha, a simples expectativa da Petrobras
perfurar um poço de combustíveis fósseis no litoral do Amapá já provoca um movimento
migratório desenfreado rumo a Oiapoque, no norte do estado. É nessa cidade que
a estatal pretende implantar uma base de operações para o FZA-M-59, se a
licença para a exploração for liberada.
“Oiapoque não é a mesma cidade de
antes: há ocupações que cresceram de forma desordenada nas imediações do
aeroporto. A ocupação Areia Branca está na estrada de terra que leva ao
aeródromo. Expandiu como nunca em 2023 e em 2024, na esteira da expectativa
sobre o petróleo. “Meu irmão foi na minha cidade, no Pará, e me chamou. ‘Bora
lá, porque Oiapoque vai ser bom de ganhar dinheiro, a Petrobras está indo para
lá’. Aí a gente veio”, diz Ednalva Feliciano, 53, recém-chegada ao Areia Branca
com o marido e uma filha. “Eles repetem o movimento de outras 300 famílias do Areia
Branca. Ao lado, outra ocupação, Nova Conquista, se confunde com a floresta”,
relata Sassine na reportagem.
Enquanto chega gente em Oiapoque sem
casa, dinheiro e trabalho à espera do “Eldorado do petróleo”, comunidades
indígenas e tradicionais da região se desesperam. Reclamam que são ignoradas
pela petroleira e temem o que será das suas vidas se a exploração de
combustíveis fósseis for adiante. Eles têm consciência de que a tal “riqueza”
não será dividida – mas a conta alta de um possível vazamento de petróleo sim.
Eliminar a produção e o consumo de
combustíveis fósseis para travar as mudanças climáticas é uma necessidade
global. Mas o que acontece agora em Oiapoque e já aconteceu em outras cidades
brasileiras mostra que o estrago do petróleo e do gás fóssil antecede sua
extração do subsolo. Reforça, também, que o modelo de desenvolvimento econômico
que promete benesses, mas só entrega prejuízos, tanto climáticos quanto
sociais, precisa ser revisto com urgência.
Alexandre Gaspari - Jornalista no ClimaInfo.
https://climainfo.org.br/2024/08/22/alem-de-mudancas-climaticas-combustiveis-fosseis-causam-crise-social/
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