Pesquisa da Unifesp envolveu 22 adolescentes com obesidade Freepik |
Abordagem interdisciplinar testada na Unifesp combina aconselhamento clínico, nutricional, psicológico e atividade física. O acompanhamento alterna sessões remotas e presenciais, o que favorece a adesão e diminui os custos para o sistema de saúde
Após um ano de tratamento
multidisciplinar envolvendo aconselhamento clínico, nutricional, psicológico e
exercício físico, um grupo de 22 adolescentes com obesidade não apenas perdeu
peso como viu diminuir em seu exame de sangue a concentração de mediadores de
inflamação e de doenças cardiovasculares. Essas duas conquistas se traduziram
na redução da resistência à insulina (e, portanto, do risco de diabetes), da
gordura visceral e em um melhor controle do balanço energético (relação entre
ingestão e gasto calórico) – fatores que promovem melhora global da saúde e
impedem o “efeito ioiô” das dietas.
Os resultados da
pesquisa, financiada pela
FAPESP, foram divulgados no International
Journal of Environmental Research and Public Health.
“Neste estudo, testamos um novo
modelo de tratamento que não é tão intensivo quanto o original, já adotado em
trabalhos anteriores do grupo e com eficácia comprovada. Isso é importante,
pois, com menos frequência, o tratamento ganha em adesão dos adolescentes e
fica mais barato para ser implementado no Sistema Único de Saúde”, conta Ana Raimunda Dâmaso,
professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
A diferença entre o modelo
intensivo e o novo, proposto pelo artigo, está na redução do número de
consultas e acompanhamentos. Antes os adolescentes tinham de ir à universidade
três vezes por semana para praticar atividade física com o auxílio de um
professor, enquanto no atual eles foram orientados a praticar os exercícios em
casa.
As orientações nutricionais em
grupo, antes realizadas uma vez por semana, ocorreram quinzenalmente no modelo
semi-intensivo. E as orientações nutricionais individuais foram abolidas, bem
como as reuniões mensais com os pais ou outros responsáveis.
Em relação ao apoio
psicológico, o modelo intensivo preconizava sessões em grupo e individuais –
cada modalidade uma vez por semana. Já no semi-intensivo foram feitos apenas
encontros quinzenais em grupo. O atendimento médico individual mensal foi
mantido.
Segundo a pesquisadora, mesmo
com um programa mais brando houve uma melhora significativa em relação a dois
hormônios secretados pelo tecido adiposo: a leptina (fator-chave no controle do
equilíbrio energético e de processos inflamatórios) e a adiponectina (que tem
ação anti-inflamatória e protege a função pancreática).
“Adolescentes com obesidade
grave geralmente apresentam estados de hiperleptinemia [produção excessiva de
leptina] e, ao mesmo tempo, redução na secreção de adiponectina. Essa
combinação acentua o estado pró-inflamatório e o risco cardiometabólico”,
explica Dâmaso.
A terapia semi-intensiva
conseguiu reverter esse quadro. A prevalência de adolescentes com
hiperleptinemia caiu de 77,3% para 36,4%. Em um estudo anterior do grupo, em
que foi usado o modelo intensivo de tratamento, a leptina dos adolescentes com
obesidade havia passado de 75% para 55%.
“Em relação à hiperleptinemia,
portanto, os resultados foram até melhores no modelo semi-intensivo”, afirma
Dâmaso.
Redução do
risco
A obesidade tem sido
caracterizada por especialistas como uma doença inflamatória crônica. Quando
tem início na adolescência o impacto negativo ao longo da vida é ainda maior,
pois a inflamação constante atua por mais tempo no organismo.
No artigo, os pesquisadores
ressaltam que uma das implicações mais preocupantes da obesidade na
adolescência é a associação entre o excesso de tecido adiposo e o aumento no
risco de desenvolvimento de doenças metabólicas e cardiovasculares durante a
adolescência e na idade adulta, o que piora substancialmente a qualidade de
vida dos indivíduos.
“Quanto mais tempo uma pessoa
permanecer com a obesidade grave durante a sua vida, maior é a chance de morte
prematura. O adolescente com obesidade extrema está com toda uma máquina
alterada e uma das principais ferramentas para reverter esse quadro,
descobrimos, é colocar a leptina para funcionar de novo”, sublinha Dâmaso
à Agência FAPESP.
E a pesquisadora acrescenta: “É
preciso desinflamar todo o sistema, reduzir estados de hiperleptinemia, o
colesterol, melhorar a pressão arterial, diminuir a resistência insulínica para
evitar o diabetes e reduzir gordura visceral, além de outros biomarcadores de
inflamação, evitando-se o risco cardiometabólico. O controle da obesidade em
adolescentes pode ainda melhorar a apneia do sono e reduzir transtornos do
comportamento, como ansiedade, depressão e bulimia, como observamos previamente
em outros estudos”.
Trabalhos anteriores mostraram
que uma alta concentração de leptina na obesidade está associada ao aumento dos
riscos cardiovasculares, distúrbios comportamentais relacionados à ingestão de
alimentos, inflamação e alterações na regulação neuroendócrina do balanço
energético, com consequente prejuízo à perda de peso corporal.
“Entre os adolescentes que
participaram do estudo, 77,3% apresentavam hiperlipidemia [altos níveis de
gordura no sangue]. Portanto, eles já estavam com alterações metabólicas e
pró-inflamatórias instaladas. Conseguimos revertê-las e trazer o balanço
energético para uma condição de normalidade”, conta Deborah Cristina Landi
Masquio, pesquisadora do Grupo de Estudos da Obesidade (GEO) da Unifesp. O
trabalho é fruto de sua tese de doutorado.
“O equilíbrio entre os níveis
de leptina e de adiponectina reduz o processo inflamatório característico da
obesidade e diminui o risco de várias doenças relacionadas. Tudo isso está
vinculado à redução da resistência insulínica. No estudo, 81,8% dos adolescentes
tinham resistência à insulina e, no fim do tratamento, esse índice caiu para
50%”, comemora Masquio.
Os resultados mostraram ainda a
redução de dois biomarcadores de risco cardiovascular importantes (PAI-1 e
ICAM-1). O PAI-1 é considerado um importante inibidor do sistema fibrinolítico
(que regula a coagulação do sangue), portanto, sua concentração elevada pode
levar a um estado pró-trombótico que contribui para o desenvolvimento de
doenças cardiovasculares. Já o biomarcador ICAM-1 é uma glicoproteína associada
ao processo de aterosclerose.
“Em adolescentes com diabetes,
os níveis de PAI-1 estão correlacionados com aumento de glicemia,
triglicerídeos, colesterol total e espessura da veia carótida”, diz Dâmaso.
A intervenção interdisciplinar
promoveu ainda redução da circunferência da cintura e da gordura visceral dos
adolescentes. “Esse é um desfecho importante, pois a adiposidade abdominal está
intimamente relacionada às comorbidades da obesidade, como alterações
metabólicas e inflamação”, afirma Dâmaso.
O artigo Interdisciplinary
Therapy Improves the Mediators of Inflammation and Cardiovascular Risk in
Adolescents with Obesity pode ser lido em: www.mdpi.com/1660-4601/20/23/7114.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/nova-estrategia-de-tratamento-reduz-inflamacao-e-risco-cardiometabolico-em-adolescentes-com-obesidade/50854
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