O
cenário da saúde no Brasil está permeado por uma série de desafios operacionais
e financeiros, sem contar as incertezas jurídicas e regulatórias, que
influenciam diretamente o relacionamento entre operadoras e prestadores e,
consequentemente, a qualidade e a acessibilidade dos serviços médicos
oferecidos à população.
Essa
interação entre as fontes pagadoras e os prestadores de serviços de saúde é
constantemente marcada por tensões e discordâncias, especialmente no que diz
respeito a aspectos financeiros e ao método de remuneração. Atualmente, o
desafio principal é substituir o modelo denominado Fee for Service (FFS),
vigente em grande parte do setor privado e baseado na remuneração pela
quantidade de procedimentos realizados, para a remuneração baseada em valor,
cujo sistema prioriza o uso eficaz dos recursos na geração de desfechos
favoráveis aos pacientes.
Apesar
de ambos os lados concordarem que a remuneração baseada em valor tem potencial
para melhorar a qualidade e a segurança do atendimento ao paciente, usando os
recursos de maneira eficiente, existe a preocupação, por parte dos prestadores
de serviço, sobre como implantar esse novo modelo, que requer métricas
rigorosas de qualidade de processos, junto a uma transição demorada, além dos
riscos financeiros, já que pode haver variações nos pagamentos com base nos
resultados obtidos. No entanto, é essencial iniciar mudanças internas
progressivas para facilitar a adaptação ao novo cenário.
De
forma gerencial, o valor na saúde está associado à qualidade da assistência,
medida pelo desfecho clínico, em relação aos custos envolvidos na prestação
desses cuidados. Então, uma das alavancas para obter valor é a diminuição de
desperdícios para alcance da máxima eficiência operacional. A partir dessa
tendência de mercado, podemos aplicar alguns conceitos de Lean Healthcare, em
que o objetivo principal é aprimorar processos, melhorar a qualidade e a
segurança do cuidado e maximizar o valor para os pacientes, diminuindo os
desperdícios.
Existem
alguns desperdícios descritos na filosofia Lean que podem ser considerados,
como o processamento impróprio - realizar tarefas desnecessárias que poderiam
ser feitas de forma mais otimizada -, e a superprodução - produzir em excesso e
obter mais saídas de materiais que o necessário. Para identificar esses
desperdícios, existe uma ferramenta utilizada na metodologia “Lean Healthcare”,
chamada Mapeamento do Fluxo de Valor, que tem como finalidade principal
detectar processos que agregam ou não valor para o paciente, e, a partir daí,
definir o procedimento ideal. Para alcançar um padrão ideal e seguro, é preciso
identificar, por meio de dados, a experiência do paciente durante os
procedimentos e conciliá-la com os desfechos clínicos de alta qualidade,
levando em conta que apenas os custos essenciais foram empregados em todo o
processo.
Por
exemplo, caso o objetivo seja melhorar o índice de sucesso de cirurgias, ao
aplicar o Lean, a recomendação é iniciar mapeando o fluxo de trabalho e valor,
desde o agendamento até a alta hospitalar. Posto isso, é ideal identificar os
desperdícios, como tempo de espera desnecessário, movimentações excessivas de
pacientes, excesso de materiais e documentação redundante etc. Após essa etapa,
é hora de padronizar os protocolos, como diretrizes para recomendações pré e
pós-operatória.
Estabelecer
as métricas de desempenho para medir o índice de sucesso, como a taxa de
infecções pós-operatórias, taxa de reoperações e a satisfação do paciente
também deve ser contemplado nessa etapa. Por fim, treinar a equipe e monitorar
continuamente todo o processo, revisando os resultados e buscando oportunidades
de aprimoramento, trará um ciclo de melhoria contínua.
Resumidamente,
para aplicar o Lean em qualquer contexto, é necessário seguir os passos abaixo:
1.
Familiarize-se com os conceitos chave do Lean, como eliminação de desperdícios
e melhoria contínua.
2.
Definir quais os processos são mais relevantes e, ou críticos para a operação e
priorize-os de acordo com o esforço e impacto.
3.
Mapear o fluxo de valor e identificar as atividades que não agregam valor ao
paciente.
4.
Redesenhar o processo eliminando os desperdícios e padronizá-los.
5.
Treinar a equipe e encorajar a cultura de solução de problemas.
6.
Promover melhoria contínua por meio do acompanhamento de indicadores relacionados
ao processo, revisar e aprimorar sempre que necessário.
Por
fim, a remuneração baseada em valor é um tópico complexo que requer equilíbrio
para promover qualidade e segurança ao paciente, ao mesmo tempo que leva
eficiência e redução de custos aos operadores e prestadores, visando a
sustentabilidade do sistema de saúde.
Mas para alcançar
a mudança é necessário que todas as partes envolvidas reconheçam que abordagens
anteriores, mesmo que bem-sucedidas, podem não ser mais adequadas para o futuro.
Em contrapartida, utilizar o Lean para direcionar esforços a questões internas,
adaptando e padronizando processos, reduzindo custos e desperdícios, focando na
satisfação do paciente, pode posicionar as instituições à frente das
transformações.
Luize Dantas - consultora
de Performance Empresarial da Protiviti, empresa especializada em soluções para
gestão de riscos, compliance, ESG, auditoria interna, investigação, proteção e
privacidade de dados.
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