Como médico ginecologista que atua na especialidade
da endocrinologia ginecológica e reprodutiva há mais de 40 anos, dos quais 25
com prescrição de terapia hormonal por meio do uso de implantes subcutâneos
para administração de substâncias formuladas em concentrações específicas para
atender pacientes em tratamentos de contracepção, doenças hormônio dependentes
como endometriose, miomatose e outras, terapia de reposição hormonal e
infertilidade considero que a Resolução CFM Nº 2.333, de 30 de março último,
é uma iniciativa importante devido ao que tem ocorrido nos últimos
tempos.
Ao ratificar a Resolução CFM nº 1999, de 2012, o
novo dispositivo possibilita colocar os pingos nos “is”, de forma decisiva
sobre a terapia hormonal, a começar da sua concepção. A administração externa
dessas substâncias só se justifica pela carência ou excesso no organismo, o que
pode ser detectado durante a consulta clínica e demonstrado pelos resultados de
exames laboratoriais específicos. Em suma, não são os hormônios que fazem mal,
mas a sua prescrição equivocada e/ou excessiva.
Vivemos hoje um momento em que as pessoas,
independente da idade, buscam a juventude e a beleza eternas. E há quem se
disponha a aventuras e perigos inimagináveis para encontrá-las. Assim, é com
preocupação que acompanho um número crescente de mulheres que chegam ao
consultório com sequelas físicas e mentais das terapias hormonais de viés
estético, conduzidas sem os devidos cuidados pelos profissionais.
Nesse sentido, a Resolução CFM Nº 2333 também é uma
iniciativa louvável já que trata da ética, algo que não pode ser dissociado da
formação profissional. Circulam no meio médico, propagandas de cursos
inconsistentes a peso de ouro, que prometem conhecimentos não apenas para a
prescrição do tratamento hormonal, como para a formulação de substâncias para
manipulação em farmácia magistral.
Reforço então o alerta. Por mais rentável que seja
um procedimento, é imprescindível que os candidatos estejam atentos para os
riscos que correm de perder suas promissoras carreiras, visto que os problemas
do desequilíbrio hormonal causados pelo uso incorreto ou exagerado das
substâncias, podem se traduzir em efeitos colaterais graves e variados.
Entre os cardiovasculares, há quadros de
hipertrofia cardíaca, hipertensão arterial sistêmica, acidentes vasculares,
aterosclerose, estado de hipercoagulação, aumento da trombogênese e
vasoespasmo. Há também o risco de doenças hepáticas como hepatite
medicamentosa, insuficiência hepática aguda e carcinoma hepatocelular, bem como
de transtornos mentais e de comportamento, com diagnósticos de depressão e
dependência. A lista de distúrbios endócrinos inclui infertilidade, disfunção
erétil e diminuição de libido.
A mentira do “chip da beleza”
O momento também é propício para esclarecimentos.
Em primeiro lugar, não existe o tal chip da beleza. Essa expressão infeliz
criada pelo marketing para fins mercadológicos é uma mentira na forma e no
conteúdo.
O que se tem de concreto na Medicina são implantes
subcutâneos que funcionam como uma via para administrar medicamentos, e também
dosagens específicas de hormônios manipulados em concentrações personalizadas
pela farmácia magistral, para fins terapêuticos. Fora disso, o que se tem praticado
são promessas de procedência duvidosa e alto risco para a saúde.
Lembro que o uso dos implantes subcutâneos para a
terapia hormonal foi introduzido há mais de 40 anos pelo médico ginecologista e
endocrinologista, cientista e professor Dr. Elsimar Coutinho, que revolucionou
a Medicina mundial ao questionar a necessidade da menstruação e ao popularizar
diversos tratamentos hormonais, entre os quais o uso de contraceptivos duração
prolongada, além de outros feitos notáveis.
Dessa forma, não se pode simplesmente deixar de
lado uma solução médica que tem efeitos comprovados para o controle de diversos
problemas de saúde, entre os quais as doenças hormônio dependentes, terapia de
reposição hormonal e contracepção. Como discípulo fiel desse importante Mestre,
não posso deixar que isso aconteça, por melhores que sejam as intenções das
sociedades médicas que endossam a Resolução.
Reafirmo, ainda, que nem todas as pacientes se
adaptam às dosagens da indústria farmacêutica, o que pede uma abordagem
individual, para a obtenção dos melhores resultados que, em sua origem, são
bastante específicos já que tratam do indivíduo.
Walter Pace - ginecologista, Titular da Academia Mineira de Medicina, Professor
Doutor em Ginecologia e Coordenador Geral da Pós-Graduação em Ginecologia pela
Faculdade de Ciências Médicas, Mestre em Reprodução Humana pela Universidade de
Paris e Doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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