Em animais humanos e não humanos, a capacidade de pensar é tema muito estudado. Charles Darwin – não por acaso algumas pessoas marcam a História – estudou, entre outros, o “pensamento” das minhocas.
Darwin colocava papéis recortados em forma de cunha próximo às tocas
desses anelídeos. Bem, eles “escolhiam” conduzir os papeis ao interior da toca
pela ponta aguda, facilitando seu ingresso nos buracos.
Há, pois, “inteligência” incipiente nas minhocas. Mas, haveria
pensamento? O Houaiss define pensamento como a “faculdade que tem como objetivo
o conhecimento”. Não concordo com “tem por objetivo”.
Pensamento é inerente a alguns organismos (inscrição biológica).
Faculdades orgânicas não possuem finalidade intrínseca. Admitir finalidade é
compreender os organismos como criação. A evolução é errática.
Pelos milênios de evolução, restamos seletivamente com certos
atributos, entre os quais está o pensar. Pensar, pois, é uma característica
final (restamos com ela), não é um projeto inicial (desenho com objetivo).
Da minhoca ao cachorro. Cachorro pensa? Alguns estudos afirmam que sim.
Eles sabem, porém não sabem que sabem. Pensam rudimentarmente e não conseguem
pensar sobre o próprio pensamento.
Os mamíferos “inteligentes” têm emoções básicas: amor, saudade, satisfação,
medo, asco, alegria, raiva, susto. Esses animais não possuem os sentimentos
morais: culpa, orgulho, desprezo, vergonha.
O pensamento humano não é “puro”, mas valorado. Não é denotado, mas
conotado. Contém subjetividades e é emocionado. Carrega nossas convicções. Não
conseguimos ter um pensamento neutro.
Descartes (1596 – 1650) propôs que suspeitemos de tudo o que pensemos.
Ele desconfiou até da própria existência. Concluiu que existia porque, afinal,
pensava: “Penso, logo existo” (cogito ergo sum).
Espinosa (1632 – 1677) foi o primeiro filósofo a avisar que corpo e
mente são coisas inseparáveis: o corpo pensa. Propunha uma ética demonstrada e
que fossemos racionais para escolher a “melhor vida”.
Afrontou a superstição e a metafísica. Arrostou as verdades religiosas.
Não acreditava em livre-arbítrio. O presente advém de causas anteriores e
circunstanciais sobre as quais não incidimos (historicidade).
Defendia, contudo, que, compreendendo as ideias e submetendo as paixões
à razão, podemos agir em face das circunstâncias. É dizer: pensar o próprio
pensamento, buscando orientar-se às ideias “adequadas”.
Espinosa prestigiava o conhecimento: “único bem verdadeiro”. Somos
alegres ao conhecemos que conhecemos; somos lúcidos ao sabermos que fatos,
situações ou pessoas nos afetam (seres no mundo).
Saberes distintos do meu, portanto, não são, a priori, certos ou
errados. Ao avaliar com desdém pensamentos diversos do meu, demonstro afetos
ruins: não me elucido; não me alegro; não aprendo.
Os termos racionais propostos por Espinosa são difíceis. Nietzsche, não
obstante, exige mais: desprezando crentes e crenças, deseja que aprendamos a
pensar na contramão de nossas convicções.
Propõe: “Uma convicção é a crença de estar, num ponto qualquer do
conhecimento, de posse da verdade absoluta [...] A hipótese prévia de todo
crente de qualquer tendência era não poder ser refutado;
Não foi a luta das opiniões que tornou a história tão violenta, mas o
conflito da fé nas opiniões, ou seja, das convicções” (Humano, Demasiado
Humano, §630). Eis a contenda dos “caluniadores da razão”.
Minhocas “escolhem”. Cachorros pensam, mas não sabem que pensam.
Humanos pensam e sabem que pensam (sapiens sapiens); em geral, todavia, não
pensam sobre o próprio pensar. Tomam-se de convicção.
O
Brasil está tomado de persuadidos da própria causa. Soberba. Foros de certeza
são violentos; convictos violentam a razão. O debate público brasileiro precisa
de mais aprendizado e menos convicção.
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário