Em novembro de 2022, a Organização das Nações
Unidas (ONU) anunciou que atingimos a inacreditável cifra de 8 bilhões de
habitantes. O número é impressionante e reflete as melhorias na saúde,
nutrição, higiene e avanços na medicina que permitiram um aumento notável na
longevidade humana, mas que infelizmente ainda não estão disponíveis para
todos. Apesar de algumas colocações alarmistas de superpopulação, na verdade, a
taxa de crescimento populacional está diminuindo à medida que as taxas de
fertilidade decrescem em muitas áreas do mundo, em consequência das mudanças
sociais e econômicas.
Dados recentes revelam que, à medida que as
mulheres buscam mais educação e têm acesso ao planejamento reprodutivo, acabam
por adiar a gestação e, quando decidem engravidar, o número de filhos é
reduzido. A queda de natalidade é uma questão que afeta inúmeros países e
resulta na desaceleração do crescimento populacional mesmo naqueles mais
populosos, como China e Índia. Segundo o IBGE, em 2022 a taxa era de 1,65
nascimentos por mulher. A realidade não é muito diferente nos demais países da
América Latina e Europa, por exemplo.
O impacto esperado na economia, na sociedade e em
nosso modo de vida como um todo deve ser tremendo à medida que a população
envelhece e as taxas de fertilidade diminuem. Em contrapartida, a Organização
Mundial de Saúde (OMS) informa que a infertilidade é um problema de saúde
mundial que acomete entre 48 milhões de casais e 186 milhões de pessoas no
mundo, o que representa 15% da população total do planeta. Uma parcela
significativa dessas pessoas infelizmente permanece sem acesso ao diagnóstico e
tratamento adequados. Além disso, o adiamento da maternidade, uma tendência
registrada em todos os cantos do globo, promete agravar a situação, já que há
uma queda significativa da fertilidade feminina após os 35 anos de idade.
Portanto, a necessidade de se concentrar em fornecer cuidados reprodutivos
adequados para todos não pode ser subestimada.
Pelo exposto acima, fica claro que muito do nosso
futuro depende da saúde e das decisões tomadas pelas quase quatro bilhões de
mulheres que povoam nosso planeta. Segundo o Banco Mundial, 49,7% da população
mundial é feminina e compreende a maioria dos habitantes em grande parte dos
países, exceto na Índia e na China, onde os homens superam em muito as
mulheres.
Quando se consideram os grupos etários, a proporção
entre homens e mulheres é mais elevada entre os 15 e os 19 anos, mas, acima dos
50 anos, as mulheres ultrapassam os homens. O papel da força de trabalho
feminina é extremamente importante e, sem sombra de dúvida, impulsiona o
crescimento econômico.
Apesar desses números, as mulheres continuam
negligenciadas quando se trata de ciência e pesquisa. Mesmo em países como os
Estados Unidos, onde as mulheres representam mais de 50% da força de trabalho,
controlam 60% da riqueza produzida no país e são responsáveis por 85% das
decisões de consumo, a situação é preocupante.
Não há dúvidas sobre os impactos de gênero na saúde
e na doença e, portanto, estudos que considerem tais diferenças são
urgentemente necessários. Há pesquisas que mostram respostas diferentes à uma
droga para o tratamento da hipertensão, enquanto outros revelam o efeito dos
hormônios ovarianos sobre a imunidade, por exemplo. Além disso, a maioria dos
estudos clínicos que são fundamentais para identificar novos tratamentos inclui
uma minoria de mulheres. Por outro lado, os investimentos na saúde da mulher
permanecem baixos, compreendendo menos de 2% dos atuais projetos da indústria
farmacêutica.
Condições femininas benignas como endometriose,
miomas, sangramento uterino anormal ou menopausa recebem pouca atenção, apesar
do enorme efeito adverso que podem ter na qualidade de vida das mulheres e de
suas famílias caso não sejam tratadas adequadamente. Ciente dos números e
preocupada com a questão, a OMS estabeleceu seis prioridades para a saúde da
mulher que incluem a saúde sexual e reprodutiva para todos, bem como a redução
de doenças não transmissíveis.
O conceito de saúde da mulher, entretanto, deve
abranger não apenas a saúde sexual e reprodutiva, mas também um espectro mais
amplo que inclua a saúde mental, materna e menstrual, bem como a prevenção do
câncer e das doenças crônicas, como obesidade. Esforços para reduzir a
desigualdade de gênero na saúde e mudar esse cenário devem ser uma prioridade
na agenda dos governos, universidades, entidades médicas e demais organizações
da sociedade civil, pois os investimentos na saúde da mulher retornarão em
termos de melhoria da qualidade de vida e saúde, além de crescimento econômico,
o que traz benefícios para todos. A saúde das gerações futuras também pode
estar em risco quando a saúde feminina é negligenciada. Como o ambiente
intrauterino é um fator vital na definição da saúde futura do indivíduo, cuidar
da saúde da mulher principalmente durante o período pré-concepcional é de suma
importância.
O Dia 8 de Março foi escolhido para comemorar o Dia
Internacional da Mulher, data para homenagear mundialmente todas as conquistas
incríveis que as mulheres alcançaram e chamar atenção para as muitas batalhas
que ainda permanecem. Em meio a homenagens, desfiles e discursos inflamados, o
tempo urge enquanto milhões adoecem e padecem sem o devido cuidado. Embora não
haja dúvida de que houve avanços que devem ser comemorados, já passou da hora
de realmente oferecer a toda e qualquer mulher o cuidado e o respeito que todas
merecem.
Márcia Mendonça Carneiro - Diretora científica da clínica Origen BH e
professora titular do Departamento de Ginecologia da Faculdade de Medicina da
UFMG
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