Estudo revela que qualquer que seja o próximo índice de aumento, preços poderão ser aumentados em várias vezes sem que isso seja considerado ilegal
Em poucos dias a Câmara de
Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed), órgão responsável por limitar e
fiscalizar preços de medicamentos no Brasil, vai divulgar o valor do reajuste
do preço desses produtos essenciais nas farmácias e nas compras públicas.
Chamado de preço teto dos medicamentos, esse valor é reajustado todo ano, mas
segundo comprovou uma pesquisa divulgada nesta segunda-feira (27) pelo Idec
(Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), seja qual for a porcentagem de
aumento divulgada, isso provavelmente não vai limitar que aumentos absurdos
sejam aplicados em remédios nos próximos meses.
“Não é a primeira vez que
realizamos essa pesquisa e nos deparamos com esse grave problema. Os números
encontrados reforçam cada vez mais o grande problema de regulação em
medicamentos que temos no Brasil: um teto de preços que não cumpre a sua função
de impedir aumentos abusivos, como aconteceu durante a pandemia de Covid 19 com
muitos medicamentos que tinham grande procura”, afirma Ana Carolina Navarrete,
coordenadora do programa de Saúde do Idec.
De acordo com o estudo, a
diferença entre os preços dos medicamentos pesquisados em relação ao preço teto
chega a até 936,39% em valores praticados em compras públicas e a 384,54% nas
compras realizadas pelos consumidores em farmácias.
“Um preço-teto tão distante
assim não cumpre a sua função, que é limitar aumentos abusivos. Vejamos o caso
do Dolutegravir Sódico, usado no tratamento da infecção pelo HIV, que em
compras públicas do governo custou R$ 123 a caixa no ano passado, mas possui
preço teto de R$ 1.274,76. Isso significa que se do dia para a noite a
farmacêutica aumentar em 10 vezes o preço da caixa, ela não vai estar
infringindo a lei. Um absurdo como esse só ocorre em um mercado que na prática
não tem uma regulação de preços no setor”, completa Navarrete.
Segundo a pesquisa, os preços
teto estabelecidos pela Cmed podem superar os 300% em relação aos valores
praticados nas compras públicas. E, em 10 dos 11 medicamentos pesquisados, a
diferença ficou acima dos 100%, como é apresentado na tabela abaixo:
Já nas compras em farmácias,
feita a partir de uma média de preços pesquisados nas três maiores redes
nacionais, o consumidor também encontra uma grande distorção entre o preço teto
e o comercializado. Nos medicamentos de referência, os valores ficaram entre
29,51% (caso do Glifage xr, um antidiabético) e 86,08% (Clavulin, um
antibiótico). Nos medicamentos genéricos, a variação ficou entre 384,54%
(Omeprazol, um antiulceroso) e 91,90% (Atenalol, um anti-hipertensivo). Já para
os similares, essa variação ficou entre 28,89% (Venzer) e 32,20% (Aradois). Veja todos os dados no sumário da
pesquisa.
Outro resultado comprovado pela
pesquisa revela que a diferença na forma de comprar o medicamento também
interfere no seu preço. Mesmo em farmácias da mesma rede, comprar pelo site,
presencialmente, ou fazer o cadastro fornecendo o número do CPF para ganhar um
desconto interfere no valor pago. Em um dos medicamentos, a Liraglutida, um
remédio usado em casos de diabetes e para combater a obesidade, a distância
entre o preço cobrado ao consumidor e o teto da Cmed aumentou de 7,66% para
54,84%, com o desconto concedido.
“Uma variação tão grande como
essa não tem uma justificativa clara para o consumidor. Esse fenômeno revela um
aspecto assustador do mercado farmacêutico: nunca sabemos, de fato, quanto vale
aquele produto. Em uma relação em que os consumidores estão em uma situação
especialmente vulnerável - porque comprar remédio não é opção, é necessidade -,
é inadmissível uma margem tão grande para abusos por parte da indústria”,
afirma Matheus Falcão, um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo.
Desde março de 2020, o Projeto de
Lei 5591/20, de autoria do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que altera as
regras para a definição dos preços de novos medicamentos no mercado brasileiro
e impõe novos requisitos de transparência para as empresas do setor está parado
no Senado sem nenhuma tramitação. "Já fizemos uma campanha pela aprovação
deste projeto de lei que contou com a assinatura e apoio de mais de 52 mil
pessoas, mas o PL tem três anos e sequer foi designado para uma comissão. Agora
está nas mãos do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, colocá-lo para andar e
indicar um relator, encaminhar para comissões e para as discussões necessárias.
O que não dá é ficar vendo todo ano uma estrutura do governo federal
trabalhando para propor um teto de preço para os medicamentos que não tem
efeito nenhum para a população, que segue desprotegida de abusos. E a solução
para esse problema está posta. Falta vontade política para que ela ande”,
completa Navarrete.
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