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quarta-feira, 22 de março de 2023

O Brasil e os fluxos migratórios mundiais

No final do século XIX o Brasil necessitava de trabalhadores assalariados para substituir a mão de obra escrava. Dos imigrantes que chegaram ao Brasil, entre 1893 e 1928, 73% não pagavam suas passagens, pois seus deslocamentos eram custeados pelos cafeicultores ou pelos governos dos países interessados. Os países de emigração precisavam se “desvencilhar” de sua superpopulação pobre e analfabeta. Para se ter uma ideia dessa movimentação populacional, entre 1888 e 1939, quatro milhões de imigrantes entraram no Brasil, sendo que os italianos representavam o grupo mais numeroso: 34% de todo o contingente migratório, segundo a ONU Migración.

O governo brasileiro garantia que os imigrantes podiam se estabelecer em qualquer ponto do país e se dedicar a qualquer ramo de agricultura, indústria, comércio, arte ou ocupação útil, desde que não ofendessem a segurança, a saúde e os costumes públicos. Tinham liberdade de crenças e de culto, bem como o gozo de todos os direitos civis atribuídos aos nacionais pela Constituição. Contudo, o medo do governo (Era Vargas) era que os imigrantes pudessem agitar os sindicatos brasileiros em uma época em que o capitalismo mundial havia sofrido um duro golpe com a crise mundial de 1929. Tudo isso aconteceu durante a primeira grande onda migratória mundial, que durou quase 50 anos, de 1888 (ano da abolição da escravatura) até a década de 1930.

A segunda onda migratória mundial deu-se depois da 2ª Guerra Mundial, entre 1948 e 1963. Uma das características dessa fase foi o deslocamento de massas de refugiados e de migrantes oriundos de países devastados econômica e socialmente por esse conflito. Nessa época, essa temática populacional tinha forte apelo humanitário e os deslocamentos foram dirigidos pelos organismos internacionais, que haviam sido instituídos pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Durante essa onda, não era qualquer um que poderia migrar para o Brasil. Era preciso ter uma Carta de Chamada e um Compromisso de Trabalho, caracterizando-se por um processo altamente seletivo. Isso porque o capitalismo mundial dessa época se baseava na industrialização, que era sinônimo de desenvolvimento econômico. Essa fase durou apenas 15 anos, pois os países de emigração tinham voltado a crescer, não sendo mais atraente o processo migratório ultramarino.

A partir de 1985 iniciava-se a terceira onda migratória, que dura até os nossos dias. Trata-se do maior deslocamento de pessoas de todos os tempos, que já envolveu 3,6% da população mundial (281 milhões de pessoas). Essa onda se caracteriza por um fenômeno novo, que é o envolvimento de quase todos os países, seja na qualidade de países de emigração, de imigração ou de trânsito. Antes, os fluxos se dirigiam do Velho Mundo para a América.

Nessa terceira onda, o Brasil tornou-se, ao mesmo tempo, um país de emigração e de imigração. De acordo com os dados estimados para o ano de 2020, 4.215.800 dos brasileiros estavam morando no exterior (2% da população do país), sendo que um grande incremento migratório ocorreu entre 2012 e 2020 (122%), de acordo com o estudo do Ministério das Relações exteriores “Comunidade Brasileira no Exterior. Estimativas referentes ao ano de 2020”.

De forma resumida, pode-se dizer que o Brasil recebia imigrantes nas duas primeiras ondas e que, na terceira, vem sendo notada a saída de muitos nacionais que se dirigem para outras terras em busca de uma vida melhor.

Ainda que a Declaração Universal dos Direitos do Homem tivesse estabelecido, no seu artigo 13, que todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção, verifica-se, contudo, que não estabeleceu a obrigatoriedade de as pessoas serem recebidas por outro Estado nacional. A rigidez das fronteiras tem sido um dos empecilhos ao exercício pleno de um direito universalmente afirmado.

Esse fato evidencia que o mundo global vive um grande paradoxo: proporciona a livre circulação de bens, capitais e serviços, em espaços sem fronteiras, ao passo que os Estados nacionais não garantem a livre-circulação de pessoas e seus direitos. Exige-se fluidez para alguns aspectos e, para outros, exige-se a rigidez territorial.

Ressalva-se, ainda, que especialmente a partir do início do século XXI, a migração vem sendo sinônimo de ilegalidade, conflito e delinquência. Isso vem desencadeando o fechamento de fronteiras, nacionalismo, xenofobia e racismo, golpeando o Terceiro Milênio desde o seu início, principalmente depois dos ataques terroristas às Torres Gêmeas, em Nova York, em setembro de 2001.



Maria Gravina Ogata - Escritora; Geógrafa com Mestrado em Geografia Física, pela Universidade São Paulo; Bacharel em Direito, pela Universidade Federal da Bahia; e Doutora em Ciência Política, pela Universidade Complutense de Madrid. Escreveu o ensaio histórico-social “As bambinas e os samurais brasileiros: uma saga migratória”, publicado pela Literare Books, que mostra como os imigrantes italianos e japoneses fizeram do Brasil a sua terra e como vem aumentando a diáspora dos brasileiros no exterior. 

 

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