Há pouco mais de um ano, no começo de maio de 2021,
foi promulgada a Lei nº 14.148/2021, que instituiu o Programa Emergencial de
Retomada do Setor de Eventos (Perse), com o intuito de compensar as pessoas
jurídicas que atuam nesse ramo de negócios pelos prejuízos sofridos em decorrência
das medidas de enfrentamento da pandemia de Covid-19.
Dentre os benefícios oferecidos o legislador
incluiu a redução a zero das alíquotas do PIS, COFINS, CSLL e IRPJ pelo prazo
de 60 (sessenta meses) contado do início da produção de efeitos da mencionada
Lei. De acordo com o art. 4º, essa redução se aplica às pessoas jurídicas
pertencentes ao setor de eventos, assim consideradas aquelas que exercem as
seguintes atividades econômicas, direta ou indiretamente:
I - realização ou comercialização de congressos,
feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais, feiras de
negócios, shows, festas, festivais, simpósios ou espetáculos em geral, casas de
eventos, buffets sociais e infantis, casas noturnas e casas de espetáculos;
II - hotelaria em geral;
III - administração de salas de exibição
cinematográfica; e
IV - prestação de serviços turísticos, conforme o
art. 21 da Lei nº 11.771/2008.
Embora defina os integrantes do setor de eventos
para fins de aplicação do Perse, a Lei nº 14.148/2021 conferiu ao Ministério da
Economia a função de publicar os códigos da Classificação Nacional de
Atividades Econômicas (CNAE) que se enquadram na definição de setor de eventos,
ou seja, aqueles autorizados a aproveitar da desoneração tributária.
Diante disso, em 23/06/2021, foi publicada a
Portaria nº 7.613/2021, editada pelo Ministério da Economia, definindo os
códigos da CNAE considerados integrantes do setor de eventos para fins de
aplicação das medidas compensatórias previstas na Lei nº 14.148/2021. De acordo
com essa Portaria, especificamente com relação a determinados códigos, tais
como fabricação de vinho, restaurantes e similares, locação de automóveis e
ensino de esportes (Anexo II), somente serão elegíveis à fruição do benefício
se, na data de publicação da Lei nº 14.148/2021 (04/05/2021), estivessem
regularmente inscritos no Cadastur, junto ao Ministério do Turismo.
Preocupado com o impacto orçamentário e financeiro
da desoneração, o Presidente vetou o mencionado art. 4º da Lei, antes mesmo da
publicação da referida Portaria, sob o argumento de que a medida representaria
violação à lei de responsabilidade fiscal e ao princípio constitucional da
isonomia tributária.
Contudo, em 18/03/2022 o dispositivo vetado foi
promulgado pelo Congresso Nacional, gerando inúmeras dúvidas acerca da
aplicação do benefício tributário, em especial, sobre o termo inicial de sua
vigência e extensão da desoneração.
Quanto ao prazo, a lei reduz as alíquotas dos
referidos tributos federais a partir da data de início de produção dos efeitos
da lei, ou seja, 04/05/2021. Ainda que o dispositivo legal tenha sido vetado
naquela ocasião, os contribuintes teriam direito ao benefício retroativamente?
Ou os 60 meses passam a ser computados com a derrubada do veto?
Quanto aos contribuintes sujeitos ao benefício,
todas as pessoas jurídicas inscritas no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica
que tenham em seu registro ao menos um dos CNAEs relacionados na Portaria têm
direito à alíquota zero dos quatro tributos? Apenas os contribuintes que
sofreram perda durante a pandemia de Covid-19 fazem jus ao benefício? Tais
perdas precisam ser comprovadas? Para o caso de empresas com atividades mistas,
sendo uma delas correspondente ao CNAE relacionado na Portaria, deve ser
considerado o valor total ou apenas o da atividade correspondente como base de
cálculo para aplicação da alíquota zero?
Essas são algumas das questões levantadas acerca do
Perse, que demonstram a insegurança jurídica enfrentada pelos contribuintes.
Especificamente com relação à necessidade de
comprovação da perda financeira, a lei concede indenização aos beneficiários do
Perse “que tiveram redução superior a 50% do faturamento entre 2019 e 2020”.
Porém, esse critério diretamente relacionado ao prejuízo sofrido pelo
contribuinte não está previsto para fins de aplicação da alíquota zero dos
tributos federais mencionados.
Além disso, cabe ao Ministério da Economia
exclusivamente definir os códigos CNAE sujeitos ao benefício, de forma que a
obrigatoriedade de inscrição no Cadastur configura limitação ilegal do direito
do contribuinte por um ato administrativo. Vale destacar que a inscrição nesse
cadastro sequer era obrigatória para muitos setores, o que, por si só, tornaria
questionável o critério utilizado pelo Poder Executivo. Caso um contribuinte
soubesse que o benefício seria concedido apenas com a condição de estar
cadastrado, certamente teria adotado essa providência.
Outro ponto a ser considerado, inclusive mencionado
na mensagem de veto, é o prejuízo à livre concorrência e ao princípio da isonomia
entre os contribuintes, principalmente pelo fato de o benefício em questão ser
aplicável por 60 meses. Afinal, as empresas que iniciaram suas atividades em
2022 poderão ser prejudicadas por não contarem com o mesmo benefício fiscal
concedido àquelas que atuavam desde o período da pandemia.
Em síntese, o Perse constitui importante medida
para a recuperação do setor eventos, tão prejudicado durante a pandemia. Mas
para que produza efeitos positivos, não pode gerar tamanha insegurança
jurídica, além de prejuízo à concorrência entre os contribuintes e violação à
lei de responsabilidade fiscal. É fundamental que os Poderes Executivo,
Legislativo e mesmo o Judiciário, que em breve será provocado, se manifestem
com clareza e objetividade sobre os parâmetros necessários para a concessão dos
benefícios.
Carolina
Romanini Miguel - sócia da área tributária do Cescon Barrieu Advogados
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