Se a gente passa a vida inteira falando em humanizar a
tecnologia, por que na educação precisamos tratar as pessoas como robôs? Maioria dos cursos garante a parte técnica,
inclusive na área de e-commerce, mas se esquece de treinar criatividade, visão
empreendedora, habilidades de negócio e emocionais
A falta de profissionais qualificados para preencher vagas
no mercado de inovação e tecnologia é mundial. Tão desesperadora que, há algum
tempo, uma fintech israelense divulgou suas vagas de forma inusitada. Estampou
as oportunidades em diversos outdoors espalhados pela região de Tel Aviv – isso
mesmo que você leu, o bom e velho outdoor. No Brasil, se nada for feito, a
tendência é que a falta de gente qualificada exploda. De acordo com estimativas
da McKinsey, o déficit dos profissionais de tecnologia deve ultrapassar um
milhão de pessoas até 2030. Em um país que tem no desemprego um dos seus
maiores dramas, mercados com excesso de vagas podem transmitir uma falsa ideia
de tranquilidade.
Falsa porque a demora por encontrar um profissional
qualificado atrasa investimentos e pode até impedir uma empresa de assinar
novos contratos, resultando na perda de competitividade. Sem formar os times
que precisa, não tem como realizar um planejamento adequado e corre-se o risco
de sobrecarregar os times atuais, prejudicando a satisfação dos colaboradores.
Uma das principais soluções oferecidas pelas próprias
startups e empresas de tecnologia tem sido a criação de cursos de capacitação
para gente disposta a entrar no mercado. O que tenho observado, porém, é que as
empresas poderiam obter um melhor proveito dos cursos que oferecem. Muitas
criam uma formação exclusivamente técnica dentro da tecnologia. Em Programação,
por exemplo, uma grade de aulas toda voltada à replicação de técnicas, códigos,
modelos. O conteúdo é ensinado para o profissional repetir, aprender e repetir,
copiar e colar. E esse é o primeiro erro.
Se a gente passa a vida inteira falando em humanizar a
tecnologia, por que na educação precisamos tratar as pessoas como robôs? Na
maioria desses cursos, não existe uma visão de atendimento ao cliente, de
perceber o que o cliente de tecnologia deseja, de entender que o que fazemos é
parte de uma estratégia maior, visão de negócios, empreendedorismo,
criatividade. No caso do e-commerce, muitos alunos terminam um curso sem captar
de que forma seu trabalho interfere em resultados de venda, recorrência de
compra, ou até como ele pode crescer na carreira, trazer clientes para uma empresa.
A cultura digital é diferente. Prova todos os dias que o
efeito de formar “peças da engrenagem” é pequeno, se comparado a capacitar
pessoas para que se tornem as inventoras das peças – e da engrenagem inteira.
Outro ponto a que se deve estar atento ao montar um curso
de capacitação em tecnologia e inovação na sua empresa é a oportunidade de
convidar os próprios profissionais da organização para dar aulas. Você até pode
completar o corpo docente com outros professores, de fora da companhia, mas se um
profissional que já trabalha ali tiver o desejo de contribuir será um grande
passo.
A participação nesse tipo de programa costuma motivar os
times internos, que veem na transmissão do conhecimento um senso de propósito.
Além disso, é uma forma de incorporar nas aulas a cultura corporativa, o que
ajuda caso se queira contratar alunos do curso depois.
Mais um ponto que observo tem a ver com a escolha de cases
apresentados nas aulas: eles são quase todos muito “perfeitos” e, no fim, o
aluno é apresentado apenas ao que deu certo. Ao sair do curso, certamente vai
se deparar com um desafio de tecnologia real, quando observará que escrever
códigos não é acertar de primeira. Devido à pouca experiência de mercado, pode
acabar frustrado, não saber como reagir, desistir. E aí logo passa a considerar
a tecnologia um bicho-de-sete-cabeças. É a última coisa que queremos.
O primeiro passo para transformar o Brasil em um país de profissionais digitais, como já somos do futebol, é criar intimidade, proximidade com a inovação. Um código que você escreve pode dar problema e exigir que passe um dia inteiro tentando descobrir o que deu errado. Isso é o mais comum e o desenvolvedor, portanto, tem que aprender a lidar com seu desconhecimento, seus erros, sua capacidade de aprendizado e de persistir até acertar. Em resumo, as habilidades de um curso de inovação e tecnologia também precisam ser emocionais.
Quando você oferecer um curso de capacitação, não deve preparar o profissional apenas para trabalhar na sua empresa. Tem que preparar para o mundo. É isso que vai dar a medida do que a sua organização será capaz de conquistar.
Hugo Alvarenga - sócio-fundador da b8one, laboratório de soluções digitais especializado em e-commerce e parceira estratégica do unicórnio VTEX, atuando para grandes marcas em 13 países.
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