Passados 24 anos de sua instituição, a reeleição para cargos executivos no Brasil mostrou-se definitivamente uma decisão equivocada. As premissas iniciais, segundo as quais esse modelo permitiria ao governante tempo suficiente para concluir projetos de execução mais demorada, bem como se constituiria um estímulo ao bom gestor público, não mais se sustentam.
O tempo comprovou que prefeitos, governadores e o
presidente da República, uma vez eleitos, tomam posse já com o pensamento
voltado para a conquista de um novo mandato, dali a quatro anos. O governo que
deveria ser de coalização, em torno da aprovação e execução de projetos em
benefício da população, transforma-se, invariavelmente, em governo de
cooptação, com a distribuição de cargos, troca de favores e o uso despudorado
da máquina pública para fins meramente eleitorais, incluindo nomeações
políticas e empreguismo, desequilibrando o pleito ao conferir vantagem àquele
que ocupa cargo executivo. Propicia “alianças” eleitorais precoces e múltiplas
e desvirtua – ou anula - o papel fiscalizatório do Legislativo.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que em
1997 se empenhou para a aprovação da proposta de emenda constitucional que
acabaria lhe beneficiando na medida em que possibilitou sua reeleição, já
reconheceu em artigo que a iniciativa foi um erro histórico. “Imaginar que os
presidentes não farão o impossível para ganhar a reeleição é ingenuidade”,
afirmou FHC, em mea-culpa.
O estrago já está feito, mas é possível a correção
de rumo para não se perpetuar o equívoco e seus prejuízos. Se quatro anos é
pouco para um cargo executivo e a reeleição é desastrosa, a opção pelo mandato
de cinco anos para presidente da República, governadores e prefeitos, sem
possibilidade de reeleição, parece a mais adequada. Tal alternativa não somente
permitiria a reclamada conclusão de projetos administrativos de uma gestão,
como também consagraria o princípio democrático da alternância no poder,
estimulando o surgimento de novas lideranças, bem ao contrário do que
assistimos hoje.
Por outro lado, é preciso rever também a questão do
Fundo Eleitoral. É absolutamente inconcebível que um país com tantas mazelas
sociais e com 20% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, segundo
dados da Organização das Nações Unidas (ONU), destine verdadeira fortuna para o
financiamento de campanhas eleitorais. Em 2020, foram nada menos do que R$ 2,03
bilhões, recursos que teriam destino mais nobre caso fossem investidos para
mitigar as principais carências nacionais como saúde, educação, habitação, segurança
e saneamento básico.
Se cada cidadão brasileiro tivesse consciência
dessa realidade, certamente questionaria porque os impostos que pagamos têm de
financiar a custosa campanha de alguém para que essa pessoa alcance o topo da
pirâmide, enquanto a maioria continua sofrendo as consequências das enormes
desigualdades sociais que o Brasil não é capaz de eliminar porque não as
enfrenta com seriedade.
O modelo atual, perverso, tira dinheiro do pobre
para eleger quem vai ganhar muito durante o mandato, período recheado de
privilégios, retroalimentando um sistema injusto, que cristaliza as elites.
Não é exagero dizer que tudo isso também contribui
para a corrupção, um mal que custa ao Brasil entre 1,38% a 2,3% do PIB, segundo
estudo divulgado em 2008 pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
(Fiesp). Não por acaso, o combate à corrupção aparece sempre entre os primeiros
problemas que mais merece a atenção dos brasileiros nas pesquisas de opinião.
Mais que uma percepção interna, essa é uma realidade medida internacionalmente.
O Brasil ocupa a 94ª posição nesse ranking de 180 países, segundo os dados de
2020 do Índice de Percepção da Corrupção, o principal indicador do gênero do
mundo, produzido pela Transparência Internacional. O índice atribui aos países
notas entre 0 e 100, considerando zero a nação percebida como altamente
corrupta e 100 quando o país é percebido como muito íntegro. Com 38 pontos, o
Brasil está ao lado da Etiópia, Cazaquistão, Peru, Siri Lanka, Suriname e
Tanzânia.
Pior é constatar que evoluímos muito lentamente no
combate à corrupção. A Operação Lava-Jato, em que pesem decisões posteriormente
anuladas pela Justiça, recuperou aos cofres públicos R$ 4,3 bilhões desviados
em esquemas de corrupção, além de garantir outros R$ 2,1 bilhões arrecadados em
multas compensatórias nos acordos de delação premiada. Mas há retrocessos, como
a recente mudança na Lei de Improbidade Administrativa, sancionada em outubro,
que dificultou o combate à corrupção ao alterar o rol das condutas consideradas
improbidade, alterou o rito processual e passou a exigir comprovação de dolo
para a responsabilização do agente público.
Além disso, vemos a impossibilidade de prisão de
réus mesmo condenados em segunda instância, e temos cerca de 55.000 pessoas –
detentores de cargos públicos – gozando de foro privilegiado, um número sem
paralelo em todo o mundo. Eis aí o caldo de cultura perfeito para a sensação de
impunidade que permeia o País, fomentando na sociedade brasileira a falsa ideia
de que o crime compensa.
Temos, então, uma realidade inaceitável, pois
altamente prejudicial ao Brasil, tornando evidente que reformas são necessárias
e urgentes. Sem elas, a nação não será capaz de retomar o caminho do
desenvolvimento e os abismos sociais somente se acentuarão. Os brasileiros não
merecem que seu futuro seja ainda pior que o presente.
Samuel Hanan - engenheiro, com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002)
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