Sou uma pessoa velha que conversa com jovens. Olho para o futuro deles e já não me vejo lá. Falo da minha juventude e, para eles, é como se eu contasse histórias de filmes, das séries de TV. Digo que eles, quando estiverem formados, quando forem profissionais e tal e quando tiverem filhos e quando esses filhos crescerem… e enquanto digo isso, percebo que eles se inquietam, como se eu falasse com estranhas criaturas. E quando falo sobre quando eu não era formado, não trabalhava, não tinha filhos e meus filhos não eram ainda adultos, eles, igualmente, parecem observar-me como um bicho de aquário, soltando bolhas pela boca. Minhas tentativas ocorrem em um além-tempo e em um não-lugar, aquele que é o do esquecimento deles do meu passado e o da minha ausência no futuro deles.
O único lugar no qual temos alguma possibilidade de
contato é o presente, esse curioso e melancólico aqui e agora. Mas o que há
para dizer ou é possível dizer sobre o momento que é sempre o de espera ou de
melancolia? Os jovens vivem sobrecarregados de nostalgia e de expectativas, de
imagens de um passado negado ou inventado e de um futuro assombroso ou
espectral, tantas, que o agora parece ser só um lugar onde se segurar antes de
ser arrastado para frente ou para trás. Talvez por isso eles sejam tão
agitados, tão desconfiados de tudo e de todos. O agora não é uma base sólida, o
presente não significa nada em relação à possibilidade de qualquer coisa. E
nós, os velhos que buscam conversar com eles, não ajudamos muito sobre o
mistério que isso representa para eles.
Por isso, o desafio de ser velho e conversar com
jovens é procurar entender esse entorno, esse contexto, e não eximir-se dele,
pois que sofremos (e muito) dos efeitos dessas forças também. Buscar o estreito
caminho que possa nos levar a uma praça tranquila para que possamos sentar e
conversar, olhar nos olhos por uns instantes e fazer suficiente contato para
que possamos nos reconhecer depois, na volta para a tempestade cotidiana.
Esse desafio exige determinação e senso de
oportunidade. Um contato que seja significativo com os jovens não é comum - e,
a qualquer erro, ele pode escapar para sempre. Dizer coisas sobre o agora é
sempre um risco, pois tudo pode já ter outra conotação no momento mesmo em que
é dito, e as direções que nossas palavras podem tomar não são seguras e podem
ser destrutivas. Aliás, vivemos tempos de destruição extrema, dinossauros sendo
cancelados diariamente, outras espécies surgindo em cada meme, em cada
lacração, em cada explosão de curtidas ou de retuítes. E podemos ser nós, em
qualquer momento, as vítimas alçadas ao estrelato instantâneo ou ao
rebaixamento absoluto.
Sou uma pessoa velha que conversa com jovens. Faço
isso desde quando eu mesmo era jovem e, assim, fui atravessando os anos,
acumulando histórias e experiências, enquanto meus interlocutores continuavam,
aparentemente, com a mesma idade. Hoje, porém, eles não têm mais a idade
dos primeiros jovens com quem iniciei minha carreira de professor. Hoje, há
muito mais camadas de passados e futuros sobre eles, visões de mundo e temores
de mundo derramados sobre eles que, muitas vezes, mal dá pra ver seus olhos
apavorados. E então eu chego para conversar com eles, para dizer coisas, para
mostrar coisas, para propor coisas, para apontar para um horizonte indistinto
onde vive uma possibilidade de vida, digamos, melhor. Mas é difícil, cada vez
mais difícil.
E então comemoro vitórias todas as vezes que seus
olhos parecem perceber minha voz e fixam-se, por alguns momentos, na frequência
das minhas palavras. Pequenos encontros que funcionam como os pedacinhos de pão
deixados na floresta. Promessas de encontros naquela praça. No agora tumultuado
de nosso tempo, isso é tudo pelo que podemos lutar. Não perder de vista, não
largar a mão, para que o futuro que são os jovens não se perca de vez no
nevoeiro. E que a praça sempre exista para que o encontro aconteça.
Daniel
Medeiros - doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo.
danielmedeiros.articulista@gmail.com
@profdanielmedeiros
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