Em consonância
com a decisão do Supremo Tribunal Federal que conferiu autonomia aos Estados e
Municípios para decidirem autonomamente sobre as ações para minorar o impacto
do COVID-19, alguns Estados, como São Paulo, também já iniciaram a imunização
obedecendo os mesmos critérios.
No entanto,
seja por medo, temor, aflição ou meramente esperteza existem aqueles que tentam
burlar as regras estabelecidas e “furam” a ordem da vacina, seja por
oferecimento de propina ou por favorecimento em decorrência de cargo, o que se
popularizou como “carteirada” no Brasil. Sempre em uma democracia haverá
aqueles que pensarão individualmente em detrimento do coletivo e buscarão uma
vantagem indevida para si.
Para estes,
importante alertar que, em que pese seu anseio de estar imunizado e
supostamente protegido contra a maior pandemia recente da história, o respeito
ao coletivo deve imperar para evitar a produção da desordem e ao favorecimento
ilícito. Assim, o Código Penal deve ser aplicado sem prejuízo do emprego
concomitante de outras medidas judiciais a fim de garantir o respeito à ordem
de imunização.
O Judiciário
Brasileiro deve estar atento àqueles que furam a fila em favorecimento pessoal
e responsabilizar tanto o profissional da saúde quanto o beneficiado. As
decisões já começaram a ocorrer, como no Amazonas, em que a 1ª Vara da Justiça
Federal decidiu que àqueles que furaram a fila da vacinação contra o COVID-19
não terão direito à segunda dose.
Além disso, a
mesma juíza determinou que a Prefeitura de Manaus informe todos os dias, até as
22h, a relação das pessoas vacinadas contra o COVID-19 na cidade com a
obrigatoriedade de informar CPF e profissão.A decisão ocorre por conta de
quatro estudantes, dois advogados e um casal proprietário de uma empresa de
alimentos terem sido imunizados indevidamente.
Dentre a
fundamentação da magistrada destacamos:“Em razão da falta de explicação para
os casos de pessoas que tomaram indevidamente a vacina, ficam todos proibidos
de tomar a segunda dose, podendo ficar sujeitos à prisão em flagrante delito em
caso de insistirem no ilícito”.
O Congresso
Nacional se mostra atento a questão dos “fura filas” e o senador Plínio Valério
(PSDB-AM) propôs projeto de lei para que seja modificado o Código Penal com a
inserção de criminalização para os que indevidamente recebem a vacina em
detrimento da ordem de vacinação. A pena prevista é de detenção de três meses a
um ano e multa. A punição aumenta de um terço à metade se o crime for praticado
ou compactuado por autoridade ou funcionário público. Ainda existem outros dois
projetos com variantes nas penas como, por exemplo, o do senador Randolfe
Rodrigues (REDE-AP) que prevê detenção de dois a seis anos e se o autor for
servidor público, a pena pode chegar a dez anos de prisão.
Os projetos de
lei são uma resposta às denúncias que estão sendo apuradas pelo Ministério
Público de que, ao menos, em oito estados houve irregularidades na vacinação.
Ainda que não exista uma tipificação própria para os que furam a fila há
medidas penais que podem ser aplicadas para os funcionários públicos.
O artigo 312
do Código Penal é claro ao prever o peculato:
Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público
de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que
tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.
O particular que também se aproveitar ou prestar auxílio para o agente
público incorrerá no mesmo delito. A apropriação de bem público em virtude do
cargo ou função configura o peculato. De tal sorte que antes de um funcionário
ceder a um favorecimento ilícito é melhor refletir se o erário recebido poderá
compensar a perda da liberdade em caso de condenação penal.
As medidas jurídicas são
uma resposta à sociedade a fim de conferir transparência, equidade e, acima de
tudo, o respeito à sociedade e ao Estado Democrático de Direito em uma ordem em
termos de importância e risco de contágio. O interesse do bem público é o mote
fundamental a ser buscado para que a população volte à sua rotina normal no
menor espaço de tempo possível. E que se puna os que desviem ou não se importem
com o bem coletivo. Iremos sobreviver e voltar a prosperar com o controle da
pandemia, porém, a justiça deve ser aplicada para demonstrar que não vale tudo
em busca da imunização. O respeito a centena de milhares de mortos e infectados
pela pandemia exige que o Estado seja transparente e que no momento mais
importante no caminho de regresso à normalidade haja obediência aos critérios
estabelecidos.
Aos que se acham acima da
lei ou buscam se favorecer sem cumprir o estabelecido que se mostre os rigores
do ordenamento jurídico penal brasileiro. A população brasileira agradece.
Antonio Baptista Gonçalves - Advogado, Pós-Doutor, Doutor e Mestre pela PUC/SP e Presidente da Comissão de Criminologia e Vitimologia da OAB/SP – subseção de Butantã.
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