No capítulo 12, versículo 15 do livro do Provérbios da Sagradas Escritura, que trata sobre a sabedoria prática, a moral, o bom senso, a maneira correta de proceder dos indivíduos, o Rei Salomão, segundo tradução adaptada para os dias de hoje (NTLH), afirma que “O tolo pensa que sempre está certo, mas os sábios aceitam conselhos”.
Os brasileiros ficaram
absolutamente anestesiados com a atitude do Presidente da República que
determinou o imediato cancelamento do protocolo de intenções de aquisição de 46
milhões de doses da vacina produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a
Chinesa Sinovac. O presidente agiu como “tolo” ou como sábio?
O “coronavírus” já vitimou
mais de 155 mil brasileiros e as maiores autoridades mundiais destacam que
apenas uma vacina eficiente pode combater e impedir novas mortes pelo mundo. A
vacina que está sendo desenvolvida no Butatan, conhecida como CoronaVac, está
em fase avançada de testes e tudo indica com uma resposta bastante favorável.
Considerando o sucesso dos
testes e a busca de preservar vidas, o Ministro da Saúde Eduardo Pazuello
firmou com o Instituto Butatan um protocolo de intenções para a aquisição em
larga escapa da vacina, para que a população brasileira, e não só o Estado de
São Paulo, pudesse ter acesso a imunização contra esse inimigo invisível.
Não podemos nos esquecer que
a Constituição da República estabelece no artigo 196, que a “saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Seguindo esse mandamento constitucional, o Ministro Pazzuelo sinalizou,
oficialmente, o interesse nacional na vacina.
A assinatura do protocolo de
intenções, conforme destacado no jornal Folha de São Paulo, era de conhecimento
do Presidente, que teria anuído com a formalização do interesse na vacina. No
entanto, diante da manifestação contrária, especialmente nas redes sociais, dos
seus apoiadores, o Presidente foi a público e desautorizou o Ministro da Saúde.
O que teria levado o Presidente a agir de forma tão insensata e com absoluta
falta de empatia?
Não podemos perder de vista
que a vacina busca imunizar contra um vírus que já ceifou centenas de milhares
de brasileiros. Não se está em jogo ideologias ou posições políticas, mas sim a
saúde de 210 milhões de pessoas, que não podem ficar alijadas dessa proteção
por capricho de um governante.
Retomando a pergunta: o que
levou o presidente a tomar uma medida anti-vacina chinesa?
Para entender a fala do
presidente há que ter em mente as eleições presidenciais de 2022. Nesse
momento, o político que desponta como rival na disputa presidencial é o
governador de São Paulo. Mas, o que isso tem a ver com a vacina chinesa? Tudo!
Quem firmou, inicialmente, acordo com a empresa Sinovac foi o governo do Estado
de São Paulo, com objetivo de desenvolver a vacina no Instutito Butatan.
Portanto, na visão dos apoiadores de Bolsonaro, o sucesso da “CoronaVac” seria
um incremento político substancial para João Doria Júnior (Governador de São
Paulo). Diante disso, o presidente ficou “mordido” e declarou que não fará
acordo algum com o governador paulista.
Todavia, o Presidente esquece
o compromisso assinado era com o maior Instituto da América Latina e maior
fornecedor de vacinas para o ministério da Sáude e não com o governo do Estado
de São Paulo. Além disso, esquece que o Ministro da Saúde objetivava a
salvaguarda das vidas dos brasileiros, que foi escanteada, descaradamente, por
Bolsonaro.
A indignação com a fala do
presidente se reverberou entre os governadores. O Governador do Maranhão Flavio
Dino, um dos políticos mais sensatos do país, destacou que o Instituto Butantan
é “patrimônio do povo
brasileiro, fundado há mais de 100 anos, e merece respeito”. O
Chefe do Executivo pernambucano, Paulo Câmara, declarou que “a influência de qualquer ideologia em
temas fundamentais, como a saúde, só prejudica a população”. O
Governador gaúcho Eduardo Leite asseverou que “a escolha da vacina "deve ser eminentemente técnica,
e não política” e seguiu apontando “que deve ser observado é a condição de
segurança, a viabilidade técnica e também a agilidade para disponibilizar a
população”. Renato Casagrande, governador do Espírito Santo,
foi mais um a se posicionar nesse sentido ao pontuar que "não há espaço para discussão sobre
assuntos eleitorais ou ideológicos". Camilo Santana
governador do Ceará disse que "não
se pode jamais colocar posições ideológicas acima da preservação de vidas".
Fátima Bezerra, governadora do Rio Grande do Norte declarou que o “povo brasileiro não pode e não deve
aceitar é retrocesso! Que prevaleça a união e a responsabilidade com a defesa e
a saúde das pessoas. E que o que foi pactuado ontem (terça) seja assegurado,
que é a vacina gratuita para todas e todos os brasileiros".
Presidente, negar o acesso
amplo a uma vacina que poderá salvar a vida de milhões de brasileiros, em
defesa de um proselitismo político barato, é crime contra a humanidade.
Como se define um crime
contra a humanidade? O Saudoso Professor Luiz Flavio Gomes esclarece no
seguinte sentido: “por
força dos Princípios citados são crimes contra a humanidade: o assassinato, o
extermínio, a escravidão, a deportação e qualquer outro ato desumano contra
a população civil, ou a perseguição por motivos religiosos, raciais ou
políticos, quando esses atos ou perseguições ocorram em conexão com qualquer
crime contra a paz ou em qualquer crime de guerra”.
O Estatuto de Roma,
internalizado no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 4.388, de 25
de setembro de 2002, em seu artigo 7º estabelece um rol exemplificativo dos
crimes contra a humanidade e no parágrafo 1, alínea “k”, descreve a conduta
típica na espécie: “Outros
atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande
sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou
mental”. Não há dúvida que negar, intencionalmente, aos milhões
de brasileiros o acesso a imunização ao vírus, pode sim configurar o crime
contra a humanidade.
Agora cabe ao presidente
saber se quer passar para a história como “tolo” ou “sábio”!
Por
fim, vale ressaltar essa passagem da carta de São Pedro: “I São Pedro 5:5 (...)
revesti-vos de humildade; porque Deus resiste aos soberbos, mas dá a sua graça
aos humildes (Pr 3,34)”.
Marcelo
Aith - advogado especialista em Direito Público e professor convidado da Escola
Paulista de Direito
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