Bastou a lei favorecer a simplicidade dos processos licitatórios com vistas à aquisição de equipamentos e serviços, dentro das urgências impostas pela pandemia, para os ladrões saírem da caverna. E entrarem em operação nos suntuosos gabinetes do poder. Seis governadores de estado estão sendo investigados. Estima-se que fraudes, segundo matéria da Veja, se elevem a R$ 4 bilhões. O governador do Rio de Janeiro, ex-magistrado que ganhou fama por linha dura, foi afastado do cargo pelo STJ. A Polícia Federal e o Ministério Público já identificaram operações fraudulentas em 19 estados da federação!
Impressiona particularmente
o histórico de corrupção no Rio de Janeiro. Seis governadores fluminenses se
envolveram com esquemas corruptos que, de longa data, infestam o ambiente
político local. Alguns conheceram por trás das grades o sistema penitenciário
sobre o qual, um dia, exerceram competências de ofício. A Alerj e a Câmara de
Vereadores do Rio são o que se sabe. Ali, rachadinha é tira-gosto, antes do
banquete.
Diante disso, cabe a
pergunta: de onde procede tanta fragilidade moral, incapaz de resistir à
tentação do dinheiro farto e fácil da corrupção? De um lado, a punibilidade
tornou-se hipótese remotíssima e a punição por esse específico crime faz gemer
as entranhas do STF, sempre pronto a conviver com a morosidade dos meandros
processuais e com a benevolência das execuções penais. De outro, como confessou
abertamente Sérgio Cabral, condenado a 280 anos de prisão, "apego a poder
e dinheiro é um vício".
Como se forma esse
vício? Como todo vício, ele implica uma confusão conceitual entre satisfação e felicidade,
fazendo da vida um inferno entre prazeres ocasionais. É a história de todos os
dependentes. Acontece que nossa sociedade deixou de lado verdades, princípios e
valores para cair na lassidão moral
e no cinismo dos quais a corrupção é apenas uma das mais visíveis consequências.
Se os valores
rejeitados são ditos tradicionais, como definir os "não
tradicionais"? Será necessário espremer às últimas gotas o pensamento
picareta e a novilíngua para nominá-los com um adjetivo decente. E mais, se os
valores tradicionais forem tão desprezados quanto gostariam seus detratores,
tornar-se-á necessário convocar Diógenes com sua lanterna para encontrar o bom
cidadão, o bom político, a boa instituição. E até mesmo o dinheiro roubado.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Integrante do grupo Pensar+.
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