As eleições se aproximam a passos largos e os cidadãos começam a questionar e pesquisar quem poderá ser candidato. Esses questionamentos são mais candentes no interior, na medida em que os munícipes vivem intensamente a política local. Nessa cenário um dos pontos importantes é o da possibilidade ou não de um gestor público que teve suas contas rejeitas ou desaprovadas ser candidato nas eleições de 15 de novembro.
A Lei Complementar 64/90 traz
o rol de inelegibilidade infraconstitucionais (legais) e dentre elas destacamos
o inciso I, alínea “g”, do artigo 1º, que trata do impedimento de ser candidato
decorrente da rejeição ou desaprovação das contas, senão vejamos:
“os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou
funções públicas rejeitadas
por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão
competente,
salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as
eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II
do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem
exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.”
O eleitor apressado e
desavisado irá afirmar que o gestor público, na condição de ordenador de
despesas, que tiver suas contas rejeitadas pelo órgão competente, estará
automaticamente inelegível e terá, caso impugnado o registro, obstaculizada sua
candidatura. Isso procede? Evidentemente que não. Explico.
Suponhamos que um prefeito
municipal teve sua conta desaprovada pela câmara municipal, que manteve o
parecer de desaprovação do Tribunal de Contas, o qual apontou que o município
aplicou abaixo do limite constitucional na educação. Esse fato por si só configuraria
inelegibilidade?
Para aferir se o prefeito
municipal está inelegível, nos termos do artigo 1º, I, alínea “g”, da Lei
Complementar 64/90, há que examinar se todos os pressupostos caracterizadores
do impedimento estão presentes. Quais são esses pressupostos: a) prestação de
contas por parte do gestor público ordenador de despesas; b) rejeição das
contas prestadas por vícios insanáveis; c) que o vício além de insanável
configure ato doloso de improbidade administrativa e; d) haja decisão
irrecorrível do órgão competente.
Portanto, o vício apontado
deve ser insanável e configurar ato doloso de improbidade administrativa. O que
vem a ser um vício insanável? Segundo o grande mestre José Jairo Gomes, em sua
obra “Direito Eleitoral”,
“Insanáveis, frise-se, são as irregularidades
graves, decorrentes de condutas perpetradas com dolo ou má-fé, contrárias à lei
ou ao interesse público, podem causar dano ou prejuízo ao erário, enriquecimento
ilícito, ou ferir princípios constitucionais reitores da Administração Pública”
e segue GOMES asseverando que “Além
de insanável, a caracterização da inelegibilidade em apreço ainda requer que a
irregularidade ‘configure
ato doloso de improbidade administrativa”.
Porém, como funciona na
prática a análise da rejeição das contas pela Justiça Eleitoral: Pode invadir a
competência do órgão julgador das contas e rever o mérito da decisão? Pode
valorar os fatos ensejadores d rejeição das contas e fixar, no caso concreto, o
sentido das expressões “vício insanável” e “ato doloso de improbidade
administrativa”?
Nos termos da súmula 41 do
Tribunal Superior Eleitoral “Não
cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões
proferidas por outros órgãos do Judiciário ou dos tribunais de contas que
configurem causa de inelegibilidade”. Entretanto, conforme leciona
GOMES, a Justiça Eleitoral, dentro de sua esfera de competência, tem “plena autonomia para valorar os fatos
ensejadores da rejeição das contas e fixar, no caso concreto, o sentido da
cláusula aberta ‘irregularidade insanável’, bem como apontar se ela caracteriza
ato doloso de improbidade administrativa” e concluiu: “É que a configuração da
inelegibilidade das irregularidades requer não só a rejeição das contas, como
também a insanabilidade das irregularidades detectadas e sua caracterização
como improbidade. Se a rejeição (ou desaprovação) das contas é dado objetivo e
facilmente verificável (basta uma certidão expedida pelo Tribunal de Contas ou
pelo órgão Legislativo), a insanabilidade e a configuração da improbidade requerem a
formulação de juízo de valor por parte da Justiça Eleitoral, única competente
para afirmar se há ou não inelegibilidade”.
Assim, respondendo a questão
sobre a não aplicação do limite de gastos com a educação, há que se destacar
que, por si só, não configura inelegibilidade, em que pese o Tribunal Superior
Eleitoral, no REspe nº 24.659/SP, julgado em 27 de novembro de 2012, tenha
reconhecido a insanabilidade relativa a insuficiência da aplicação do mínimo
constitucional, uma vez que há que estar evidenciado que o gestor público agiu
dolosamente com esse propósito, fato que configuraria ato de improbidade
administrativa.
Outro ponto deve ser
levantado. O prefeito pode ter agido dolosamente ao desrespeitar o limite de
gastos com a educação, fato que caracterizaria vício insanável configurador de
ato de improbidade, reconhecido pelo Tribunal de Contas, mas a câmara
municipal, por dois terços dos vereadores, pode ir contra todas as evidencias e
aprovar as contas do alcaide. Nessa hipótese não estará configurada a
inelegibilidade prevista no artigo 1º, I, alínea “g”, da Lei Complementar
64/90, uma vez que não houve “decisão irrecorrível do órgão competente” rejeitando
as contas.
Dessa forma, todos os atores
envolvidos na análise da impugnação do registro de uma candidatura por rejeição
ou desaprovação de contas de gestores públicos, devem ter muita ponderação e
evitar juízos precoces.
Marcelo Aith - advogado especialista em Direito
Público e Penal e professor convidado da Escola Paulista de Direito
Nenhum comentário:
Postar um comentário