Estudo
foi coordenado por pesquisadora do Einstein em três tribos do Vale do Javari,
no Amazonas
Pesquisadoras
fazem entrevistas com índios do Vale do Javari | Foto Lis Leão
“Nunca um profissional da saúde visitou nossa
aldeia e perguntou se sentíamos dor e como tratávamos dela”, afirma Pixi Kata
Matis. Com apenas 23 anos ele é atualmente a principal liderança da tribo
Matis, localizada na Terra Indígena Vale do Javari. Na divisa do Brasil com
Peru e Colômbia e 1.138 quilômetros distante de Manaus, no Amazonas, a aldeia
com pouco mais de 500 índios tem idioma próprio e somente há cerca de 40 anos
teve o primeiro contato com o branco. A localização – no meio da floresta –, as
diferenças culturais e linguísticas são, para o jovem líder, as principais
dificuldades para o acesso a serviços básico como saúde. Em junho de 2017, pela
primeira vez esse e outros dois povos indígenas do Vale do Javari ouviram
perguntas como: “você sente dor?”, “a dor é forte, moderada ou fraca?”, “onde
dói?”. Os resultados fazem parte de um estudo inédito sobre as dores dos índios
no Brasil feito pela mestranda Elaine Barbosa de Moraes com orientação da
professora e pesquisadora da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert
Einstein, Eliseth Leão.
Com
apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), durante
um mês as pesquisadoras visitaram as tribos Matis, Kanamary e Marubo para
conhecer as principais queixas álgicas (relativas à dor) dos indígenas e as
terapias usadas para o tratamento delas. O trabalho também se propôs a entender
como os agentes de saúde atuam no atendimento para a dor dessas
populações. A pesquisa contou com entrevistas com 45 indígenas das três etnias.
Para entender melhor a relação dessas populações com a dor, foi levado em
consideração o dia a dia dessas pessoas.
“Para
estudar a dor é preciso ter em vista fatores culturais, sociais e econômicos”,
explica Eliseth. Nas três tribos a dor está relacionada com o trabalho rural,
uma vez que todos os indígenas realizam diariamente tarefas rurais pesadas, que
incluem carregar cargas por longas distâncias. A pesquisa mostra que 73,2% dos
entrevistados afirmaram ter dor no corpo e as áreas mais mencionadas foram os
membros inferiores (46,6%), seguidos pela coluna (37,9%), articulações (35,5%),
membros superiores (33,3%) e, por último, abdome (24,4%).
Localização da dor
|
|||||||
Etnia
|
Kanamary
|
Marubo
|
Matis
|
Total
|
|||
|
Nº
|
%
|
Nº
|
%
|
Nº
|
%
|
|
Dor de cabeça
|
5
|
11,1
|
0
|
-
|
3
|
6,6
|
17,7%
|
Dor de dente
|
0
|
-
|
0
|
-
|
1
|
2,2
|
2,2%
|
Dor de corpo
|
15
|
33,3
|
3
|
6,6
|
15
|
33,3
|
73,2
|
Entre
as mulheres a dor tem um significado a mais: força. Nenhuma mulher, das três
etnias, fez referência à dor do parto, quando questionadas sobre sensações
dolorosas pregressas. “Isso mostra que a dor faz parte de um processo natural e
não visto como anormalidade”, explica Elaine. Durante a entrevista para o
estudo, 77,8% dos índios disseram estar sentindo dor (veja tabela abaixo).
Ocorrência de dor pregressa
|
||||
Etnia
|
Dor anterior
|
Dor no momento
|
||
|
Nº
|
%
|
Nº
|
%
|
Kanamary
|
11
|
24,4
|
16
|
35,5
|
Marubo
|
1
|
2,2
|
3
|
6,6
|
Matis
|
13
|
28,9
|
16
|
35,5
|
Total
|
24
|
53,3
|
35
|
77,8
|
Sobre
intensidade, as respostas ficaram divididas. Enquanto 37,8% dos 45
participantes declararam sentir dores fortes, outros 33,3% alegaram intensidade
fraca. Outros 26,7% não responderam a questão. “É importante ressaltar
que o entendimento de forte, fraca e moderada também pode ser diferente do
nosso, uma vez que os aspectos culturais podem interferir no limiar de dor”,
explica Eliseth. Ela observa ainda que o idioma foi uma barreira para a
pesquisa.
Foto Lis
Leão
Tratamento
da dor
O
‘remédio do índio’, feito de acordo com as tradições de cada tribo e ervas,
rituais e música foi apontado como fator de melhora da dor por 64,4% dos
entrevistados, seguido pelo remédio do mato feito a partir de extratos da
natureza como raízes e folhas (60%). Já os medicamentos do branco (comprimidos
e xaropes, por exemplo) foram apontados como fator de melhora por apenas 22,2%
dos indígenas. Respostas naturais, levando em consideração que 80% das pessoas
da tribo ainda usam a medicina tradicional indígena.
Profissionais
da saúde
A
dor não é investigada pelos profissionais de saúde que prestam atendimento às
três tribos na Amazônia. Esta foi a resposta de 73% dos participantes da
pesquisa. Além disso, mais da metade – 51% – disse não estar satisfeita com a
qualidade dos serviços de saúde ofertados.
Técnicos
em enfermagem e enfermeiros são a maioria entre os profissionais de saúde que
atuam nessa área: representam 66,7%. A maioria (58,3%) tem entre 1 e 5
anos de experiência.
“São
comuns erros no entendimento das equipes de saúde em relação ao que estamos
sentindo e no diagnóstico. Faltam treinamento e conhecimento das nossas
questões culturais. Precisamos que a saúde para o povo indígena melhore”,
afirma Pixi.
Uma proposta apresentada
pelo estudo do Einstein foi o desenvolvimento de uma cartilha com
informações e recomendações para o manejo da dor com base nas práticas
culturais da medicina tradicional indígena. “A cartilha tem o objetivo de
facilitar o diálogo entre as duas medicinas e dar um direcionamento para uma
abordagem sobre a dor para atender ao indígena”, explicou Elaine.
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