Suponhamos que você é novo na empresa.
Talvez tenha acabado de subir de cargo e ganhou novas responsabilidades
administrativas. O caso é que se deparou com um dilema ético: fraudes em
registros corporativos. Eles podem vir de diversas maneiras e até podem compor
erros não intencionais, mas geralmente são financeiros e propositais. Você está
de frente para a questão: agir de acordo com a lei e denunciar a situação e com
isso potencialmente perder seu emprego e até levar a empresa a fechar; ou
entrar no esquema e ficar calado, alimentando mais e mais a fraude.
Não é uma questão fácil. O fato é que a
lei pode ser a resposta politicamente correta, mas talvez o peso do desemprego
de centenas de pessoas e suas famílias pese mais em sua ponderação do que a
própria lei. Talvez a quebra da expectativa do seu próprio sonho de crescer
como profissional seja outro fator. O caso é que o dilema não é legal, embora a
situação seja um problema da lei. O dilema é moral e é seu, como funcionário –
independente da visão profissional ou pessoal que venhamos a ter sobre isso.
Nesse contexto é importante trazer de
volta a reflexão ética para o meio corporativo. E foi justamente para isso
que a Éticas Consultoria nasceu. Além disso, ela se propõe a dar mais um passo
em busca da interiorização da ética, buscando o aprendizado lúdico capaz de
esclarecer a postura empresarial. Ela existe justamente para apoiar esse
momento que você leitor vive – como pensar a melhor escolha.
Por ser um dos casos mais complexos, é
justamente por ele que começo meu curso: a fraude. A fraude é algo interiorizado
na sociedade brasileira através do famoso "jeitinho". Ela nada mais é
do que alterar os registros de dados da empresa a fim de ganhar algo com isso.
O fraudador sabe bem o porquê de estar fazendo isso e sua prática criminosa é
pensada; proposital. Mas e aquele que se depara com a fraude? E aquele que é
obrigado a propagá-la? Ou cometê-la?
Talvez seja possível despertar a
reflexão mesmo naquele que iniciou o problema, mas para isso é preciso mudar
algo muito complexo: a maneira de ver o mundo dessa pessoa. Sendo assim, é mais
simples começar por aqueles que estão dispostos a se confrontar com esse
dilema, embora o texto não seja exclusivamente para eles. É difícil combater o
“jeitinho brasileiro”. É algo enraizado culturalmente na nação. Porém, não é
uma questão de natureza do povo brasileiro, e sim apenas uma questão da atual
condição de não esclarecidos.
Não somos desonestos por natureza,
embora em alguns casos falte a clareza da reflexão e da interiorização desse
dilema às pessoas envolvidas. Quando a fraude parte dos proprietários da
empresa é um caso mais complicado. Mas quando ela parte de um funcionário é até
mais simples se livrar do problema, pois há um culpado e isso não faz parte do
core da companhia.
Entretanto, vamos tratar o problema de
forma mais íntima, com maior profundidade. A atitude daquele que modifica os
dados da empresa e até mesmo coage o outro a acompanhá-lo - muitas vezes pela
força do poder hierárquico - é baseada puramente da ideia do lucro mais fácil e
rápido, onde o benefício próprio é muito maior e imediato. A isso, mesmo que
haja uma condenação da empresa no futuro ou o prejuízo para o próximo, no caso
seu subordinado.
O pensamento imediatista impede essa
pessoa de ver que a perpetuação da empresa é mais lucrativa e importante do que
aquele momento de “oportunidade”. Outro fator a se considerar está no fato de
que nem todo aquele que frauda pretende roubar a empresa. Às vezes aspira
apenas o crescimento da corporação. Seu objetivo final é driblar dificuldades
legais e éticas para alcançar o sucesso da organização. Isso por que: ou ele
não quer esperar o momento correto do crescimento e deseja acelerar; ou vê uma
impossibilidade e quer tirá-la do caminho através de trapaça. Alguns podem até
achar que agir dessa forma beneficiará a empresa e seus colaboradores no
futuro, mas isso não é verdade, é um equivoco de julgamento corporativo.
Acima de qualquer atitude se deve
considerar a lei e a ética. Para os fraudadores o que importa é somente o
resultado. Não considerando as formas de se conquistar o objetivo maior da
empresa. O ponto é que, nossa sociedade que se encontra em transição, conectada
e alinhada com ideais éticos, nos inclina cada vez mais a fazer o que é certo,
pois nota-se que a longo prazo os prejuízos serão maiores do que os lucros.
Pensar a médio e a longo prazo é o que
figura, primariamente, essa reflexão ética. Vale a pena ver a empresa
investigada no futuro? Condenada a fechar as portas? Pagar multas milionárias?
Sacrificar empregos? Ir preso? Até gigantes do mercado como os representantes
da família Batista - do Grupo JBS - e políticos de renome, como o ex-presidente
Lula, são alvos de investigação hoje em dia.
A sociedade cada vez mais está se
tornando intolerante com aqueles que a prejudicam. Com o tempo mais se tem dado
importância para a postura ética - as boas práticas e condutas. A exatidão dos
dados, a segurança da não-fraude, tornam a empresa uma representante de um dos
maiores valores do mercado: a confiança. Todo o mercado financeiro é baseado na
confiança. É em cima dela que se construiu uma sociedade de informação
conectada.
Se a confiança se justifica com a não
mentira como a protagonista diante de fraudes nos registros corporativos,
podemos considerar como coadjuvantes e aliados, princípios secundários a
essa confiança. Por exemplo: a prudência. Ela ditará que a garantia do futuro
valerá mais do que o benefício presente. Outro importante coadjuvante é a
autenticidade, que por sua vez está fortemente ligado ao que é ser uma empresa
confiável no mercado. Por último considere também a vulnerabilidade. Deixar sua
empresa vulnerável é basicamente condená-la a morte, pois o mercado está sempre
em movimento. No fim, tudo que está errado acaba tendo consequências.
As últimas crises e bolhas que geraram
problemas globais na economia ocorreram por causa de vulnerabilidades criadas
por posturas antiéticas. Então, estando de frente para uma situação como essa,
mesmo que o melhor a se fazer seja o óbvio no quesito legal, no momento em que
se questionar se isso é realmente o melhor, busque sempre a reflexão ética. Com
ela você encontrará todos os porquês, todos os detalhes, permitindo ir além.
“O que fazer quando deparado com essa
situação?” é uma pergunta importante, mas acima dela é preciso interiorizar a
reflexão ética do “Por que não fraudar?”, ou mesmo “O que me convidaria a não
mentir?”. Somente entendendo a fundo as razões racionais e lógicas da ética na
sociedade é que se tornará possível mudar as posturas inadequadas. Fazer apenas
porque é a lei não basta mais para a sociedade. Se deve fazer por convicção,
compreensão, em uma palavra, por sensibilização ética. Potencializando assim a
dinâmica do mundo. Esse é o começo da reflexão que proponho em meu curso. É
apenas a ponta do iceberg, mas um começo para trilhar o caminho da humanidade e
um país mais justo.
Samuel
Sabino - fundador da consultoria Éticas Consultoria,
filósofo, mestre em bioética e professor.
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