Tiririca: espelho da
política brasileira?
Gaudêncio
Torquato (Estado 24/8/14: A2) bem resumiu o quadro: "A palhaçada chama a
atenção pela estética escatológica. Tiririca, de peruca e vestido de branco,
parodiando o cantor Roberto Carlos na propaganda do grupo que lidera o processamento
de carnes no mundo, espeta bifões, entremeando risadas incontroláveis (e sem
nenhum nexo) com estrambólica versão da música O Portão,
interpretada pelo Rei: "Eu votei, de novo vou votar, Brasília é o seu
lugar". Em 2010, o deputado açambarcou 1,3 milhão de votos embalado por um
jingle em que prometia: "Vote no Tiririca, pior do que tá não fica".
O profeta acertou na mosca. O quadro político pouco mudou, reformas tão
clamadas e prometidas ficaram ao léu e Brasília continuará a ser lugar aprazível
para o ex-palhaço, que continua a brincar de circo". Mas, em Brasília,
enquanto alguns brincam de circo, outros fazem coisas sérias: são os vigaristas
(políticos e agentes econômicos e financeiros inescrupolosos) que desviam o
orçamento público para o bolso deles.
Por que somos como somos? Por que o Brasil é assim?
Tudo
começou entre 13 e 14 bilhões de anos, com o Big Bang (a
grande explosão germinadora dos planetas e das galáxias). Uma estrela explodiu
(era composta de hidrogênio, hélio, carbono, nitrogênio, oxigênio e ferro) e
seus elementos formaram o Sol, os planetas, as galáxias e os nossos corpos
(veja Punset, Por qué somos como somos, p. 25). Pode haver
outro planeta com seres inteligentes? Sim, se todos esses elementos se combinaram
sob as mesmas condições. Todos nós, incluindo o escatológico Tiririca, os
demais políticos e a política brasileira, somos frutos dessa explosão germinal.
Mas
entre ela e o descobrimento do Brasil ("achamento" diria Vaz de
Caminha, em 1.500), sabe-se que nosso território (latino americano) foi
invadido (apropriado e explorado) por alguns brancos europeus ibéricos
(espanhois e portugueses) da pior qualidade moral e ética que se possa
imaginar.
Alguns
esquemas conceituais, correspondentes a estereótipos vulgares que nos
caracterizam e nos explicam (afirma Darcy Ribeiro, na apresentação do livro A
América Latina - Males de origem, de Manoel Bomfim, 2005, p. 12 e ss.),
ressaltam [para explicar por que somos como somos] "nossas supostas
vicissitudes como o clima tropical, a mistura de raças, a origem portuguesa, a
tradição católica, a pobreza e a ignorância de nossos ancestrais e, até, uma
imaginária juvenilidade do Brasil [o país é um continente, temos 200 milhões de
habitantes etc.].
Todas,
no entanto, "são explicações que justificam nosso atraso cumprindo o feio
papel de encobrir suas causas verdadeiras; falsas explicações que aí estão
desinformando o grosso dos brasileiros (...); mas 'penetrando no nevoeiro das
aparências', Manoel Bomfim desmascara o 'parasitismo europeu' como a causa real
e efetiva das nossas desgraças (...); aqui se implantou a economia
especulativa, tão prodigiosamente lucrativa para os senhores como desgastante e
mortal para a força de trabalho nela engajada".
Foi
por meio dessa economia, "insensata para nós, mas racionalíssima para
nossos exploradores, que nós, latino-americanos, multiplicamos, várias vezes, o
montante de matais preciosos existente no mundo. Através dela, ainda,
enriquecemos secularmente as metrópoles, exportando gêneros. Tudo isso
produzido com o desgaste de milhões de escravos, caçados aqui ou na África por
senhores brancos, cristãos e civilizados. 'Algumas centenas de escravos e um
chicote', diz Manoel Bomfim, foi a fórmula europeia de enriquecer, no
cumprimento do seu alto estilo civilizatório".
O
Tiririca (carnaval) e a política espoliativa brasileira (tragédia) tem tudo a
ver não só com o Big Bang de bilhões de anos atrás, senão
também (e, sobretudo) com a cultura ibérica aqui implantada de forma imoral e
aética. A literatura europeia é cega para o fato capital de que "o papel
real do homem branco foi o de dizimador genocida de povos, apodrecidos em seus
corpos pelas pestes e pragas trazidas pelos europeus. Foi o de queimar milhões
de homens no trabalho escravo, como um carvão humano, para produzirem o que não
consumiam. Foi o de aliená-los em suas almas, pela perda de suas culturas, sem
acesso à cultura dos colonizadores" (Darcy Ribeiro, cit.). Toda essa
herança maldita, extrativista e genocida, impregnou a alma das elites que
dominaram o Brasil até aqui, que se caracterizam (feitas as ressalvas devidas)
pela expropriação, corrupção e violência. As grandes responsáveis pelo nosso
atraso, portanto, são essas elites, não o povo que (do alto da sua impotência e
ignorância < por falta de escolaridade) está sempre à sua mercê.
LUIZ FLÁVIO GOMES - jurista e diretor-presidente do Instituto Avante
Brasil.
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