Quem ainda sonha com um Brasil menos desigual, mais justo socialmente, uma nação de verdade, na qual os cidadãos possam viver com dignidade e alimentar esperança no futuro, deve estar se perguntando em que ponto da história nosso país rompeu com a ética, enterrou a moral e fez a opção pela desonestidade, pela corrupção, pela sede de levar vantagem em tudo sem se importar com aqueles que, ao final, pagam as contas: os menos favorecidos.
É impossível definir esse marco temporal, assim
como é injusto creditar tudo o que há de ruim no Brasil a uma espécie de
fraqueza moral de nosso povo, como se isso fosse exclusivo de nossa gente. Não
é! Um olhar atento para história nos mostra que o poder ocasionou o apodrecimento
da elite nacional que, em geral, sempre foi pior que o povo,a massa que de
maneira subserviente sustentou com o suor de seu trabalho escravo ou mal
remunerado os luxos e exageros de uma casta preocupada apenas em se perpetuar
no poder para conservar sua condição social e seus privilégios.
A questão mais profunda é que o Brasil de antes
tinha uma classe aproveitadora, preguiçosa e usurpadora, não muito diferente do
que também se viu em alguns outros países, é verdade, mas que, no entanto, não
era composta por tantos corruptos, mentirosos contumazes e até criminosos (em
número bastante significativo) como passou a acontecer a partir de um passado
recente.
O esgarçamento da moral dos governantes foi se
tornando cada vez mais evidente ao longo do tempo, com escândalos sucedendo
escândalos, com dinheiro escondido na cueca ou armazenado em grandes malas
armazenadas em apartamentos, com os sinais exteriores de riqueza incompatível
com a renda de agentes públicos sendo escancarados sem pudor e sem remorsos. E,
o que é pior, sem punição. Afinal de contas, corrupção permitida é impunidade
garantida.
Precisamos refletir sobre a omissão da sociedade,
sobre o silêncio geral diante de tantos desmandos, sobre a aceitação passiva de
práticas indecorosas de falsos líderes, ocupantes de cargos públicos que
intencionalmente confundem o público com o privado, enriquecendo enquanto
oferecem migalhas ao povo.
O político e escritor irlandês Edmund Burke
(1729-1797), respeitado membro do Parlamento londrino, já há séculos alertava
que “para o triunfo do mal só é preciso que os bons homens não façam nada”.
Muito tempo depois, o líder negro norte-americano Martin Luther King (1929-
1968) cunhava outra frase histórica, no mesmo sentido: “O que me preocupa não é
nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter. O
que me preocupa é o silêncio dos bons”.
Alertas não nos faltaram, evidentemente. Foram em
vão, infelizmente. Talvez tenhamos confundido docilidade com leniência, ou,
quem sabe, simplesmente nos acostumamos com a cruel realidade da impunidade
vencendo a moral. Assim, fomos aceitando sem questionamentos a extensão do foro
privilegiado para milhares de ocupantes de cargos públicos – praticamente
generalizando o que deveria ser exceção – e recentemente assistimos ao
retrocesso no sistema legal de combate a corrupção.
Ainda querem nos fazer acreditar que o Brasil é um
país de corruptores sem corruptos e nos fazem engolir novos e maiores
privilégios destinados aos beneficiados de sempre, enquanto o sistema
tributário –(manicômio) – injusto e regressivo – continua a funcionar como a
maior fábrica de pobreza do País.
A população já coloca as instituições sob suspeita
e descrença, o que indica um caminho muito perigoso para a democracia e para a
ordem social.
Como ensinou ao mundo o juiz da corte suprema
americana Louis Brandeis (1856-1941), “a luz do sol é o melhor desinfetante”. É
hora desse país abrir suas cortinas e deixar o sol entrar junto com uma lufada
de ar fresco e moralizante, renovando nossos pensamentos e esperanças, antes
que o mofo e a escuridão tomem conta de tudo, definitivamente.
Samuel Hanan - engenheiro com especialização nas
áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi
vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à
deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”.
https://samuelhanan.com.br