Ela era uma das últimas árvores.
Estava seca, sofrida, e seus galhos, sem folhas, se quebravam a qualquer
movimento. Fazia tempo que não chovia naquele mundo e toda a exuberância verde
do passado só existia na sua memória. Suas raízes buscavam nas profundezas
qualquer resto de umidade, mas não existia mais água. Ela sabia que era uma das
últimas a permanecer em pé naquele mundo sem vida.
Por séculos ela desfrutara da amizade
de todas as outras árvores, dos pequenos animais do bosque e dos duendes. Ah,
os duendes! Ela se lembrava das grandes algazarras que eles faziam debaixo de
sua sombra protetora. Eles eram incapazes de fazer mal a qualquer forma de
vida, porém eles desapareceram e, agora, era só silêncio. Só restaram algumas
poucas árvores, insistentes como ela, e um homem estranho. Ele falava para ela
resistir, que as coisas voltariam a ser como foram um dia e que ainda haveria
de cair água dos céus.
Ela não entendia como ele ainda
estava vivo, mas lá estava ele, com seu corpo esquelético, recoberto de pele
ressecada, todos os dias. A paisagem, outrora cheia de cores, agora tinha
somente um tom amarelo dourado. Durante todos os dias sempre a mesma cor e as
noites, cheias de estrelas, não mais existiam. A lua, no passado, tão fria,
alva e romântica, transformou-se em um segundo sol, fazendo com que a escuridão
desaparecesse.
Ela se lembrava do dia em que as
explosões começaram; em seguida veio o calor, a cor amarela e o novo sol que
trouxe o dia permanente para o mundo inteiro. Em poucos meses, tudo foi
reduzido a cinzas cor de ferrugem. Era um mundo sem odores, moribundo, mas lá
estava ela e o estranho. Ela se lembrou do tempo em que os duendes se reuniam
aos seus pés e de quando um deles arrancou um grande cogumelo vermelho de suas
raízes e, mostrando para os demais, falou com voz solene:
─ Eu tive um pesadelo! Eu vi cogumelos gigantes e vermelhos
como este inundarem os céus. E todo nosso mundo foi ferido mortalmente.
Todos ficaram em silêncio, pois os
duendes davam muito valor aos sonhos. Recordou também que, deste dia em diante,
eles olhavam para os grandes cogumelos vermelhos com receio, como quem está
vendo uma maldição.
Naquela tarde, o homem chegou mais
cansado e quase não falou. Sentou-se ao pé da árvore, encostou suas mãos
ressequidas no caule queimado e começou a sussurrar uma prece engasgada em sua
garganta:
─ Grande Mãe! Por que permitiste a geração de monstros em teu
seio? Por que deixaste o mal avançar tanto nos teus domínios?
Poderia tê-los detido e não o fizeste. Poderias ter evitado a morte de seus
outros filhos, como os duendes, as árvores e os animais. Mãe! Por que poupaste
a mim e a esta minha amiga sofrida? Escuta minha prece! Conceda-nos a morte
para não assistirmos a mais um dia deste teu desalento. Tenha piedade destes
pobres que sobreviveram à desgraça que um dos teus filhos criou e livra-nos de
mais um dia de vida neste inferno. Mãe! Escuta a súplica deste teu filho.
A árvore ouviu a prece e sentiu que o estranho
era bom. Ela tentou consolá-lo e um pedaço de galho seco caiu bem ao lado do
estranho. Ele abraçou a árvore, fechou os olhos e desejou, do fundo do seu
coração, que a morte os levasse, para bem longe daquele inferno. Assim ficaram,
em silêncio, por várias horas, até que os primeiros pingos grossos de chuva
quente começaram a cair na terra ressequida. O estranho abriu os olhos e olhou
para o céu! Lá em cima, o antigo sol estava se pondo e a imagem de uma lua
esbranquiçada apareceu no firmamento. O estranho apertou com mais força a sua
amiga e entendeu que a Mãe escutara sua prece.
Célio
Pezza - colunista, escritor e autor de diversos livros, entre eles: As Sete
Portas, Ariane, A Palavra Perdida e o seu mais recente A Tumba do Apóstolo.
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