A
felicidade nas pequenas coisas, agora!Freepik
No Butão, um jovem professor, desmotivado com o trabalho e sonhando em se tornar cantor famoso na Austrália, é enviado pelo governo do país a Lunana, uma comunidade longínqua, de difícil acesso, que fica há muitas horas de caminhada da cidade mais próxima. O cenário não poderia ser mais desolador para Ugyen Dorji, o protagonista do filme “A Felicidade das Pequenas Coisas”, que concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
Ainda que desgostoso, o jovem assume a
tarefa de ensinar às crianças da pequena vila e a relação entre os personagens
vai se transformando pelo acolhimento dos alunos, que depositam imensa
confiança no professor, “aquele que pode tocar o futuro”, que, por sua vez,
começa a perceber seu trabalho de outra maneira. O paradoxo da vida moderna com
a sabedoria milenar dá o tom de voz harmônico do filme.
Não por acaso, nasceu no Butão em 1972,
o conceito de Felicidade Interna Bruta, instituído pela ONU em 2012. A
Felicidade passou então a ser aceita como um objetivo humano fundamental e que
deve, portanto, balizar a vida de todos em sociedade, reconhecendo a
necessidade de se aplicar um enfoque mais inclusivo, equitativo e equilibrado,
promovendo o desenvolvimento sustentável em políticas públicas.
À medida que emergiu para medir o
bem-estar emocional como uma fonte de riqueza, hoje é amplamente utilizada nas
mais diversas organizações e sustenta-se em nove pilares básicos:
- bem-estar psicológico;
- saúde;
- uso do tempo;
- educação;
- vitalidade
comunitária;
- cultura;
- governança;
- meio ambiente;
- padrão de vida.
Mas, isso não é tudo. Consoante à
instituição da FIB, em 2012 a Assembleia geral da ONU lançou também o World
Happiness Report que traça em 162 países (atualmente) um relatório de
satisfação do indivíduo com a vida, trazendo informações que norteiam uma
melhor atuação nas mais diversas áreas, a partir da percepção de pessoas.
Os dados são lastreados basicamente em
níveis de:
- PIB -- indicador
econômico;
- Expectativa de
Vida -- dados da Organização Mundial da Saúde (OMS);
- Apoio Social --
suporte de familiares ou amigos em momentos de necessidade e/ou lazer;
- Liberdade para
fazer as próprias escolhas;
- Generosidade --
prática de altruísmo, compaixão social;
- Percepção de
corrupção em esfera governamental, nas organizações, nos negócios.
O dia 20 de março é quando se
celebra o Dia Internacional da Felicidade. Nesta data também
ocorre o lançamento do relatório anual. Embora o World Happiness Report
seja baseado em uma ampla variedade de fontes, a mais importante continua sendo
a Gallup World Poll. Uma análise mais generalista do último estudo
(março de 2021, disponível worldhappiness﹒report) leva a conclusões não
surpreendentes envolvendo a pandemia do COVID-19 e como ela afetou
significativamente a saúde mental da sociedade em todo o planeta, ao mesmo
tempo em que trocou um paralelo entre a confiança e o bem-estar.
Quanto mais confiantes as pessoas se sentiam no lidar com as outras e com as instituições,
maior a percepção de satisfação.
Nada novo para a ciência da felicidade,
como é conhecido o conjunto de estudos e pesquisas em Psicologia Positiva e
Neurociência em torno do bem-estar subjetivo. Pessoas consideradas felizes
também são mais produtivas, criativas, gozam de maior imunidade, se relacionam
melhor com os outros, são mais generosas, gentis e tendem, num efeito causal, a
confiar mais nos outros (Elas confiam e, por isso, são mais satisfeitas? Ou,
porque são felizes, confiam mais?).
Há ainda uma ligação direta entre
resiliência e confiança. Para as organizações, numerosos estudos vinculam essa
emoção -- e as estruturas motivacionais necessárias para criá-las, a uma
produtividade maior, do que fatores como salário. Como exemplo, uma descoberta
da Gallup de 2019 indica que, em média, as pessoas em empresas de alta
confiança se sentem menos estressadas (74%), têm mais energia (106%), são mais
engajadas (76%) e sofrem menos desgaste no trabalho (40%).
A biologia da
confiança
A professora e autora Brené Brown
enfatiza, em sua obra, a importância de se desconstruir o conceito de confiança
em qualidades e comportamentos específicos, para que possa ser mais facilmente
compreendido e compartilhado nos relacionamentos com parceiros, amigos, familiares
e colegas de trabalho:
- Limites: Posso confiar em você para ser
claro sobre o que está bem e o que não está bem neste relacionamento?
Posso confiar em você para entender e respeitar meus limites?
- Confiabilidade: Você vai seguir em frente e fazer
o que você diz que vai fazer? Posso confiar nessas coisas sobre você de
forma consistente e ao longo do tempo?
- Autorresponsabilidade: Posso confiar que, quando você
cometer um erro, você o assumirá? Estou disposto a me responsabilizar
pelos meus erros?
- Cofre: Você guarda em confiança o que eu
compartilho com você? Mantemos em confiança o que os outros compartilharam
conosco?
- Integridade: Posso confiar que você agirá de
forma íntegra, incluindo a escolha da coragem em vez do conforto; escolher
o que é certo sobre o que é divertido, rápido ou fácil; e praticar seus
valores e não apenas professá-los?
- Não julgamento: Eu sei que posso desmoronar e
estar em luta e dor e que você não vai me julgar? Eu confio que você vai
me procurar quando você também estiver sofrendo e lutando para que eu
possa ter a oportunidade de ser solidário? Somos capazes de oferecer e
pedir ajuda regularmente uns aos outros?
- Generosidade: Você vai assumir que minhas
intenções são boas -- e quando você não tiver certeza, você vai verificar
comigo? Podemos fazer suposições e interpretações generosas de nós mesmos
e dos outros em termos de palavras, comportamentos e ações?
A confiança é um aspecto fundamental de todos os relacionamentos porque exige que escolhamos ser vulneráveis e corajosos. No longa da fila do Oscar os moradores da pequena Lunana nos recordam que a felicidade é simples, mas a ilusão de necessidades geradas por demandas de um mundo ultrarrápido anseia a alma e embaça a visão. Humildade, delicadeza e respeito são antídotos eficazes para o caos emocional e fazem parte do desenvolvimento sustentável da humanidade.