Está
em vigor, desde novembro de 2017, a chamada Reforma Trabalhista que alterou
diversos artigos da CLT e também um sério reflexo para os cofres da Previdência
Social brasileira. Embora o Governo Federal alegue déficit no sistema
previdenciário brasileiro, a reforma trabalhista trouxe ao INSS significativos
decréscimos arrecadatórios, e citamos aqui o problema do trabalhador
intermitente, que em muitos casos receberá pelo seu trabalho mensal uma
remuneração inferior a um salário mínimo, afetando não apenas a arrecadação da
autarquia previdenciária, como também a possibilidade de no futuro se
aposentar, pois caso não complemente o valor este não contará como carência.
Entre
as principais mudanças está a exclusão dos prêmios da remuneração e, com isso,
da base de cálculo da contribuição previdenciária. Nas empresas em que o
funcionário recebe um salário pequeno e fixo, porém com majoração relacionada a
suas vendas, elas não irão verter tais reflexos nos salários de contribuição do
empregado. A reforma foi clara em excluir tais valores da remuneração dos
empregados, versando que "não constituem base de incidência de qualquer
encargo trabalhista e previdenciária".
Além
disso, impôs a modificação do "salário acrescido de comissões" para o
"salário acrescido de prêmios", trazendo com isso a intenção de
diminuir o alto valor das contribuições previdenciárias incidentes sobre os
pagamentos mensais.
Vale
ressaltar o impacto remuneratório aos cofres da União na forma de negociação da
participação nos lucros ou resultados da empresa.
O artigo 3º da lei 10.101/00
prevê: "A participação de que trata o art. 2º não substitui ou complementa
a remuneração devida a qualquer empregado, nem constitui base de incidência de
qualquer encargo trabalhista, não se lhe aplicando o princípio da habitualidade".
Porém, o artigo 2º exige que a participação seja "objeto de negociação
entre a empresa e seus empregados", através de acordo ou convenção
coletiva.
A
Reforma Trabalhista também prevê que empregados com curso superior e
remuneração acima do dobro do teto pago pelo INSS, poderão negociar acordos de
PLR diretamente com os seus empregadores. Acredita-se, com isso, que os bônus,
anteriormente pagos com incidência de contribuições previdenciárias, passem a
ser pagos a título de PLR, já que os executivos de alto escalão poderão
negociar diretamente com as empresas as metas e valores, o que certamente
também produziria uma diminuição na arrecadação.
O
texto da reforma também criou duas novas modalidades de contrato de trabalho
que, dentre outras peculiaridades, irão diminuir as contribuições dos
trabalhadores para a Previdência: o trabalho intermitente, onde o empregado
pode ser contratado para trabalhar de forma não contínua, com alternância de
períodos do trabalho a ser exercido pelo empregado, independentemente das
atividades exercidas pelo empregador e trabalhador (excetuados os aeronautas,
dado que estes possuem uma legislação própria) e; a terceirização de todas as
atividades da empresa (quando anteriormente apenas a atividade-meio poderia ser
terceirizada).
A
Receita Federal trouxe rapidamente as regras para o recolhimento da
contribuição previdenciária dos trabalhadores intermitentes, cujo rendimento
mensal ficar abaixo do salário mínimo. Como no contrato intermitente o
empregado atua apenas quando é convocado, o salário varia conforme o número de
horas ou dias trabalhados. Pela lei, deve-se receber, pelo menos, valor
proporcional ao salário mínimo pela hora. Portanto, muitos trabalhadores
receberão menos de um salário mínimo por mês, e poderão pagar a diferença entre
a contribuição incidente sobre seu rendimento mensal e o mínimo exigido pela
Previdência Social.
A
regra fará com que, no limite, alguns trabalhadores precisem pagar para
trabalhar. Citamos como exemplo: Para quatro horas por dia, seis vezes por mês,
uma empresa oferece salário de R$ 4,81 por hora. Com essa carga horária, o
salário mensal chegaria a R$ 115,44. A contribuição à Previdência paga
diretamente pela empresa à Receita seria de R$ 23,09. A contribuição mínima
exigida pelo INSS, porém, é de R$ 187,40. Para se adequar à regra da Receita,
portanto, o empregado precisaria pagar R$ 164,31. Ou seja, mais que o próprio
salário.
Quem
não recolher esse valor adicional por conta própria não terá acesso à
aposentadoria nem a benefícios por incapacidade.
O
recolhimento será com base na alíquota de 8% sobre a diferença entre o que
recebe e o salário mínimo até o dia 20 do mês seguinte ao salário. Nosso
posicionamento é que a reforma trabalhista apenas formalizou o
"bico", ao invés de proteger o trabalhador.
Cumpre
ainda relembrar que é notório que trabalhador terceirizado ganha, em média, 25%
menos do que um trabalhador com contrato direto (além de trabalharem
diariamente por mais tempo do que estes, segundo fontes responsáveis pelo
estudo do setor).
Acerca
da inovação jurídica trazida por esta modalidade de contratação, o empregado
intermitente pode ficar legalmente desamparado, em especial quanto a,
eventualmente, o trabalhador em questão se acidentar durante o desempenho de
suas atividades.
Atualmente, é possível de haver uma interpretação no sentido
de que o empregado intermitente deverá se auto sustentar durante os 15
primeiros dias de afastamento, cabendo ao INSS amparar tal empregado somente
após esse período. Entretanto, não é possível admitir que o empregador se
isente de qualquer responsabilidade até a seguridade social fazer o seu papel –
isso seria referendar uma ilegalidade, em especial quando o tomador de serviço
não deu as condições necessárias para o empregado exercer as suas atividades
com a devida segurança.
O
empregado intermitente não se confunde com o autônomo, que por sua vez, sem
qualquer tipo de subordinação a quem quer que seja em suas atividades
profissionais, por sua conta, assume o risco de restar afastado e deixar de
receber qualquer tipo de auxílio.
Importante
observar que o trabalho desempenhado de forma intermitente não deixa de ser uma
relação em que há uma hipossuficiência do empregado em comparação ao seu
empregador, o que por sua vez nos leva a entender que o contratante não pode se
esquivar dos ônus inerentes as demais modalidades de contratos de trabalho
previstas na nossa legislação, inclusive dado que cumpre ao Estado, em razão
das garantias previstas na Constituição, balancear toda e qualquer disparidade
havida nas relações laborais.
A
MP, editada após a vigência da reforma, criou um sistema de contribuição
complementar para esses trabalhadores. Se a soma das remunerações do mês for
menor que o mínimo, o empregado terá que fazer um recolhimento extra, de 8%
sobre essa diferença. Se o total recebido foi R$ 800, por exemplo, o
trabalhador terá que recolher ao INSS 8% sobre o restante. Se não contribuir, o
mês trabalhado não contará para cálculo da aposentadoria nem para a carência de
acesso aos benefícios. Para receber o auxílio doença, são necessárias pelo
menos 12 contribuições.
Portanto,
não é certo que esses novos trabalhadores, submetidos a essas novas modalidades
de contratos de trabalho, irão contribuir para a Previdência – tampouco os seus
respectivos empregadores.
Assim, é preciso ficar atento para que nenhum direito
do trabalhador seja ferido pelas novas regras e também aumentar a fiscalização
para garantir o acesso aos benefícios previdenciários.
João Badari e Gustavo Hoffman -
são advogados do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados