Socorro! Há dias estou verdadeiramente soterrada por informações de empresas e assessorias, aproveitando o Dia Internacional da Mulher, que chegam para dar um plá e vender seus produtos e conceitos, associando-se numa boa às conquistas femininas em alguma atividade. A verdade é que ainda falta muito para recebermos respeito, que é o que mais queremos. Exigimos.
Chegam por todos os lados, aos borbotões, por minuto. Estão expressos em
todos os meios de comunicação. Se chegasse um ser de outro planeta, ou se nós
mesmas fôssemos levar em conta tudo o quanto nos oferecem esses dias,
decretaríamos que a igualdade já chegou, que está tudo bem, ótimo, que as
mulheres estão quantitativamente representadas em todas as atividades, que
conseguimos tudo o pelo qual tanto lutamos há tantas décadas; séculos, na
verdade.
Mas a verdade é que por esses dias as tais empoderadas, liberadas,
compreendidas, apoiadas, empedernidas, corajosas e bem sucedidas mulheres terão
à sua disposição os mais variados tratamentos estéticos com promoções
“imperdíveis”; acessórios, roupas e lingeries “para seduzir” – presta atenção!
- em liquidação. Até os bancos tiram casquinha. Kits deslumbrantes, e enquanto
escrevo, agora mesmo, chegou oferta especial de bolos e geleias. É o marketing,
senhoras, senhoritas, meninas, madames, moças, trans recém-chegadas.
A realidade, que é bom, está muito longe de alcançar um patamar
aceitável. Dirigimos aviões, helicópteros, já fomos para o espaço, mas ganhamos
muito menos que os homens, e temos menos chances de alçar voo nas empresas.
Assassinatos diários de mulheres por seus companheiros nunca mereceram
intervenção mais radical: só leis não cumpridas e a promessa de proteção que
nunca chega. Ou chega tarde, para o velório, condolências e explicações mal
amanhadas.
Veja o governo, ou melhor, os governos, inclusive o daquela que fez tanta
questão do “A” em seu aposto. Um cargo aqui, ali, mas neca nas posições-chave.
Ela própria só decidia atrelada ao sapo barbudo que por mais que muita gente
beije não chegará nunca a príncipe. Esse, o construtor de postes, é outro que
parece achar a mulher igual a uma mesa, cadeira, que põe onde quer. Aliás,
reparei que agora também pegou o “querida”, “querida isso”, “querida aquilo”
quando quer fugir de algum aperto diante de jornalistas mulheres. Deve dizer só
para elas, porque não o imagino chamando um repórter de querido. Para ele, deve
pegar mal. Cabra arretado, macho.
No momento atual, no Executivo, somos esquecidas, e só vemos aquelas
cerimônias que muito se assemelham a enterros, aqueles homens sem cor, vestidos
iguais em seus ternos escuros e gravatas coloridas, o item que se permitem para
diferenciá-los entre si.
Já no Judiciário, nossa, tem várias de nós, inclusive na presidência do
STF, no comando da Procuradoria também. Várias, eu disse; mas que ainda dá para
contar com os dedos da mão. No Legislativo federal, 45 deputadas contra 468
homens. De 81 senadores, 12 mulheres. E tome cota. Cota pra isso, para aquilo.
Como são generosos.
Falar de mulher não pode ser moda, modinha, coisa de gente politicamente
correta. Chegará sim o dia que será real, que será percebido o quanto somos
diferentes e como, juntos, todos, homens e mulheres, exatamente com essas
nossas diferenças, será mudado o rumo das coisas. Não sei se estarei aqui para
ver, como estive quando essa data começou a ser comemorada, exatamente no Dia 8
de março de 1975. 16, quase 17 anos, ali, no MASP, lembro bem. Depois dessa
reunião, fotos, vídeos e depoimentos reais emocionantes, minha vida foi
desenhada. Luta, independência, consciência, inclusive dos limites a nós,
mulheres, impostos.
Violência, dupla jornada, racismo, abusos de toda a sorte, assédios,
falta de oportunidades, imposição de obrigações, falta de apoio na saúde, como
na ainda escamoteada questão da legalização do aborto, passaram a ser temas e
interesses do meu dia a dia. O feminismo que, acreditem, não morde, e é o canal
de nossa defesa.
Isso faz 43 anos. Parece que foi ontem, porque mudou, sim, mas pouca
coisa de verdade, estamos no começo das conquistas. Será por isso que acham que
queremos esses descontos em lojas nessa data?
Marli Gonçalves - jornalista - Para não dizer que
não falei de algo bonito para o Dia da Mulher, sugiro flores. Parecem com a
gente - repare nos seus gineceus prontos a criar coisas bonitas.