Quando a pandemia de Covid-19 chegou ao Brasil, em março de 2020, deixou milhares de pessoas em casa, transformando profundamente o modo de vida das grandes cidades. O que se seguiu foram meses de intensa transformação no modo de vida urbana, bastante visíveis em uma metrópole como São Paulo. Agora, que a vida fora de casa vem retornando, aos poucos, que mudanças vieram para ficar? Para responder a essa questão, o Núcleo de Inteligência do A Vida no Centro elaborou o report A Casa e a Cidade - impactos da pandemia na vida urbana, tendências e insights.
Uma das principais tendências que vieram para ficar no
pós-pandemia é o trabalho
híbrido. Milhares de empresas se viram obrigadas, da noite para
o dia, a mandar suas equipes para casa, de onde tiveram que continuam
trabalhando, de forma remota.
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Em muitos casos, deu tão certo que as empresas nem pensam em
voltar ao sistema anterior, de escritórios abarrotados, cada um no seu
computador lado a lado, todos os dia das semana. Alguns adotarão o trabalho
remoto de forma permanente, outros terão uma mistura, com alguns dias na sede e
outros na casa do funcionário. E isso vale tanto para funções de renda mais
alta, como escritórios de advocacia, quanto para outras de menor renda, como
equipes de call center.
E qual será a consequência disso? “Uma parte das pessoas deixará
de se deslocar diariamente, nos horários de pico, dos bairros residenciais,
para regiões que concentram escritórios, aliviando um pouco o trânsito e, com
mais gente nos bairros, começar a desenvolver o comércio local”, diz Denize Bacoccina, uma
das diretoras do A Vida
no Centro e responsável pelo estudo, junto com Clayton Melo. “O
report A Casa e Cidade foi feito o objetivo de colaborar com o maior
entendimento sobre o impacto da pandemia nas grandes cidades brasileiras, como
São Paulo. Isso porque as transformações verificadas no isolamento estão longe
de se esgotar com a reabertura da economia”, afirma Clayton Melo.
Metodologia
O trabalho, realizado durante três meses, traz uma pesquisa quantitativa,
feita em parceria com o Observatório
de Turismo e Eventos (OTE) da São Paulo Turismo, por meio de
questionário online com 1.521 respondentes; entrevistas em profundidade com dezenas
de especialistas e trendsetters das mais variadas áreas e origens – artistas,
produtores culturais, poder público e empreendedores, entre outros; desk research e conteúdo especial da
plataforma A Vida no Centro.
A descentralização
do trabalho, por
exemplo, deve provocar mudanças na dinâmica espacial da cidade, com
uma maior liberdade de escolha sobre onde morar, por exemplo. E a maior permanência
em casa também leva a mudanças no espaço doméstico e no comportamento na
interação com ele.
RESUMO DOS PRINCIPAIS INSIGHTS E TENDÊNCIAS
O relatório está estruturado em dois grandes capítulos: no primeiro,
procuramos mapear as mudanças e as tendências
na vida dentro de casa, enquanto no segundo o foco foi a vida
fora de casa. Veja um resumo dos principais insights do estudo.
10 insights e tendências do Report A Casa e a Cidade
1 - Casa, o novo hub
Uma das grandes tendências geradas pela pandemia é a transformação da casa no hub da vida,
ou seja, a casa se tornou o lugar de tudo: vida familiar, profissional e
social. É o lugar para morar, trabalhar, empreender, se divertir, estudar e se
exercitar. É a casa como
potência.
2 - Home office híbrido
A experiência de trabalhar em casa agradou trabalhadores e
empresas, o que sinaliza que essa modalidade vai se tornar uma realidade
permanente para muitas pessoas, em especial com a adoção do modelo híbrido
(alguns dias em casa, outros na empresa).
3 - Um novo
morar
A consolidação do home office gerou a necessidade de repensar o
espaço doméstico. O trabalho
remoto demanda uma nova casa, despertando o desejo (mais do que
a necessidade) de cuidar do ambiente, adaptar cômodos e tornar os espaços mais
acolhedores e também funcionais, de modo que permitam a realização das várias
atividades no dia a dia.
4 - Home fitness
A casa também é o local para atividades físicas. Aos poucos, o
hábito de se exercitar em casa vai entrando na rotina, abrindo espaço para o
surgimento de plataformas que oferecem aulas online, assim como a criação de
serviços digitais por grandes redes de academia.
5 - A redescoberta da cozinha
Com os restaurantes fechados – e agora, com as restrições e os
riscos– muita gente foi para a cozinha. E
gostou. Pesquisa A Vida no Centro/SP Turis mostra que 67%
passaram a cozinhar mais em casa, sendo que 7,2% aprenderam a cozinhar neste
período. E 76% pretendem continuar comendo em casa mesmo com a reabertura dos
restaurantes. Além disso, no setor de alimentação houve uma migração do
comércio físico para o online. A pandemia fez o brasileiro perceber que não
necessariamente precisa ir a um restaurante para comer bem. Pode cozinhar. Ou
pedir comida.
6 - Transformação digital da cultura
“A cultura agora será híbrida”. Essa frase de Hugo Possolo,
secretário municipal de Cultura de São Paulo, sintetiza a transformação do
setor cultural, que agora experimenta
novas linguagens, produtos
e sistemas
de distribuição pela internet. Um símbolo da transformação
digital do setor é “A Arte de Encarar o Medo”, espetáculo online pioneiro
lançado pela Cia de
Teatro Os Satyros. Criado e encenado remotamente pelo Zoom, o
modelo de teatro digital criado em São Paulo foi exportado para uma produção
internacional, com artistas de vários continentes. Além disso, várias
instituições passaram a promover lives e exibir atrações online, entre elas
Itaú Cultural, Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo
e Theatro Municipal.
7 - Valorização do local
Uma das mudanças aceleradas pela pandemia é o fortalecimento do
local, da vizinhança,
o que também deve favorecer o comércio
de bairro. Essa tendência, chamada de Local Love por bureaus
de pesquisa nacionais e internacionais, já tinha sido mapeada havia alguns
anos, mas com a Covid-19 ela vem para o primeiro plano e assim deve permanecer
no pós-pandemia.
8 - Senso de
comunidade
Passar mais tempo em casa serviu para reconectar as pessoas com o bairro
onde moram, incluindo a maior interação entre vizinhos e criação de redes de
solidariedade. Esse movimento foi captado, por exemplo, pela pesquisa
Viver em São Paulo – Especial Pandemia, realizada pela Rede Nossa São Paulo,
Ibope Inteligência e Sesc. Quando perguntados sobre as principais mudanças
causadas pela pandemia e pelo isolamento social na relação com o bairro, 46%
disseram que passaram a dar mais valor ao comércio e aos prestadores de
serviços locais.
9 - Nova relação com o espaço público
O uso dos espaços públicos pelas pessoas já era uma tendência
nas grandes metrópoles brasileiras e mundiais antes da pandemia. Com a
reabertura gradual das atividades nas cidades, esse desejo de ir para rua
continuará forte, mas agora com algumas mudanças. A pesquisa A Vida no
Centro/SP Turis indica que as pessoas terão receio de frequentar eventos com
grandes aglomerações. Por outro lado, a procura por locais abertos na vizinhança,
como parques, praças e locais para caminhar e passear – desde que não reúnam
grandes massas de pessoas –, deve ser uma tendência nos próximos meses, o que
pode resultar numa maior reivindicação por qualidade do espaço público, como as
calçadas.
10 - Descentralização
Com o home office como um dos vetores de fortalecimento da
vizinhança, do senso de comunidade e do comércio de bairro, pode haver um maior
desenvolvimento regional
na cidade. Para exemplificar, um possível efeito disso é o
fortalecimento da economia de bairros que antes só serviam de moradia.
Trabalhando em casa, a pessoa fica mais tempo no bairro, consumindo ali, e não
no local onde a fica a empresa.