O dia mundial da saúde mental
tem como data o dia 10 de outubro, instituído, em 1992, pela Federação Mundial
de Saúde Mental. Neste ano, os dados revelam o adoecimento da saúde mental dos
brasileiros durante o período de isolamento social, por conta da pandemia de
covid-19. Um estudo feito pelo Instituto de Psicologia da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) apontou que os casos de depressão praticamente
dobraram desde o início da quarentena. Entre março e abril, dados coletados
online indicam que o percentual de pessoas com depressão saltou de 4,2% para
8,0%, enquanto para os quadros de ansiedade o índice foi de 8,7% para 14,9%.
“O que estamos vivendo nos
colocou diante de um estado de impotência e insegurança. Tanto na questão da
saúde como financeiramente. E todo esse cenário nos fragilizou. Pessoas sem
histórico de transtornos sendo acometidas por ataques de pânico e ansiedade.
Quem já tinha algum tipo de doença psiquiátrica, precisou de um suporte maior.
Difícil ficar indiferente a tudo que ainda estamos passando”, afirma a
psicóloga Flávia Teixeira, mestre em Saúde Coletiva pela UFRJ e pós-graduada em
Psicossomática Contemporânea.
E como curar os estragos que a
pandemia causou na nossa saúde mental? “Primeiramente, é preciso ficar atento
aos sintomas. Tristeza profunda e contínua, apatia, desânimo, perda do
interesse pelas atividades que gostava de fazer, pensamento negativo (ideias de
fracasso, incapacidade, culpa, pensamentos de morte), alterações do sono e do
apetite; são sinais de alerta. Daí a importância de procurar ajuda médica
quando os sintomas descritos estiverem se manifestando. O tratamento pode
envolver o uso de antidepressivos, associados à psicoterapia”, pontua a
psiquiatra Danielle H. Admoni, especialista pela Associação Brasileira de
Psiquiatria (ABP) e psiquiatra na UNIFESP.
Abaixo, especialistas apontam
2 dos transtornos mais percebidos na pandemia (e como lidar com eles):
Síndrome de
Burnout
De acordo com informações
divulgadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o número de solicitações
de auxílio doença quintuplicou entre março e abril. Estes foram os dois meses
de evolução do contágio do coronavírus no Brasil. Os dados apontam que entre um
mês e outro, os pedidos saltaram de 100 mil para 500 mil.
“De fato, o número de requerimentos
de benefícios previdenciários no INSS de natureza psiquiátrica está entre os
primeiros colocados. Os pedidos de auxílio doença e benefícios assistenciais,
em decorrência de transtornos mentais, só possuem menor incidência em relação
aos de natureza ortopédica”, diz Carla Benedetti, advogada, mestre em Direito
Previdenciário pela PUC-SP.
Pesquisa recente da Microsoft
apontou um aumento de 44% de brasileiros com esgotamento profissional. “A
síndrome de Burnout, consequência do excesso ou sobrecarga de trabalho, se
agravou na pandemia. Nesta condição, a pessoa se sente literalmente exausta,
esgotada física e psicologicamente, seja por causa do número de horas
trabalhadas, seja pelo estresse provocado pelas condições de trabalho”, explica
Marcia Dolores Resende, psicóloga, especialista em Gestão de RH pela USP e
conselheira em Desenvolvimento Humano e Estudos da Família no IBGC (Instituto
Brasileiro de Governança Corporativa).
O home office, por exemplo, se
tornou uma rotina para muitos profissionais. No entanto, nem todos conseguem se
adaptar com a junção do ambiente de trabalho ao de casa. “Pacientes relatam
desânimo, dificuldade de raciocínio, ansiedade, irritabilidade, sensação de
incapacidade, diminuição da motivação e da criatividade, entre outros sintomas”,
conta a Dra. Cristiane Romano, fonoaudióloga, mestre e doutora em Ciências e
Expressividade pela USP.
A privação do sono também é um
forte gatilho para a síndrome de Burnout. “Quando o profissional não dorme o
suficiente para ser produtivo ou trabalha até tarde da noite, prejudica a
rotina do sono, desregulando seu relógio biológico. Isso resulta em uma extrema
exaustão, pois o organismo, que já está habituado com um determinado padrão de
sono, sofre um forte impacto, precisando de tempo e resistência para se adequar
às mudanças”, afirma a psicóloga Marcia Dolores Resende.
Uma consequência frequente da
síndrome é o uso de drogas (álcool, tabaco, além das drogas ilícitas) como
forma de alívio. “É importante estar alerta a esta situação que agravará ainda
mais a condição física e mental do indivíduo. O mesmo pode ser dito da
automedicação”, frisa a psiquiatra Danielle H. Admoni.
Nos casos em que a síndrome de
Burnout já está instalada, recomenda-se buscar auxílio médico especializado
para avaliação do quadro e orientação quanto ao tratamento. “Especialmente no
caso das pessoas cujas características de personalidade as tornam mais
propensas ao Burnout, a psicoterapia é um complemento importante, pois o
problema está, muitas vezes, dentro da pessoa, e não tanto em suas condições de
trabalho”, avalia a especialista em Ciências e Expressividade, Cristiane
Romano.
Compulsão
alimentar
O Transtorno da Compulsão
Alimentar (TCA) se caracteriza pela ingestão, em um curto período de tempo, de
uma quantidade exagerada (e desnecessária) de alimentos. E, certamente, a
quarentena se tornou um gatilho para muitas pessoas.
Segundo a psicóloga Flávia
Teixeira, que também é especialista em Transtornos Alimentares pela USP, não
são todos os pacientes que relatam a compulsão alimentar como uma forma de
aliviar a ansiedade. No entanto, há evidências da relação do TCA com os
transtornos de ansiedade e de humor, pois a comida, em um primeiro momento,
alivia estes sintomas. “O problema são as consequências deste suposto
bem-estar, já que a compulsão alimentar é responsável por uma série de doenças
como obesidade e diabetes tipo 2”.
“Com o excesso de gordura,
principalmente da abdominal, há dificuldade da ação de um hormônio que se chama
insulina (resistência insulínica). Com isso, o pâncreas (órgão que produz
insulina) tem que trabalhar acima da capacidade para suprir a necessidade.
Quando ele começa a ‘cansar’, a glicose do sangue passa a subir, iniciando o
quadro de diabetes tipo 2. Com o sobrepeso, surgem os distúrbios emocionais,
como depressão, síndrome do pânico, baixa autoestima, entre outros”,
complementa a Dra. Claudia Chang, pós-doutora em endocrinologia e metabologia
pela USP e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
(SBEM).
Para ser diagnosticado com
TCA, é preciso que o indivíduo apresente um episódio de compulsão por semana,
durante um período de, pelo menos, três meses. “Os episódios são acompanhados
de sofrimento emocional ligado ao descontrole alimentar e ao descontentamento e
preocupação com a forma corporal. Geralmente, quando a pessoa sofre de TCA, ela
tende a perder a noção de fome e saciedade. Daí a dificuldade de parar de comer
quando surgem os impulsos”, relata Flávia Teixeira.
O tratamento do TCA se faz com
medicamentos, prescritos por um psiquiatra, que controlam a compulsão,
associados à terapia comportamental ou psicodinâmica. O acompanhamento de um
profissional de nutrição também é importante para a mudança dos hábitos
alimentares.
“Além do psicólogo, psiquiatra e nutricionista, outros profissionais podem
fazer parte da equipe de tratamento, como o endocrinologista e o educador
físico. O trabalho deve ser interdisciplinar, no qual todos trocam informações
com o objetivo de desenvolver um trabalho individualizado para cada paciente”,
explica a psicóloga.